março 27, 2011

21. Situação linguística do Brasil

No post 19, falei sobre a morte iminente de uma língua indígena mexicana, o ayapaneco, e sugeri que a situação no Brasil não era muito diferente daquela no México: descaso por qualquer coisa muito diferente da língua dominante.

Infelizmente, parece que meu palpite baseado no senso comum estava bastante próximo da realidade, segundo o que vi a respeito desde então.

Evidência número um, um artigo de Aryon Rodrigues, um dos principais linguistas brasileiros, sobre a situação dos nossos idiomas indígenas. O texto é de leitura fácil, mas como o objetivo aqui é informar, seguem os dados principais para os leitores mais preguiçosos:
- número de línguas faladas no atual território brasileiro em 1500: cerca de 1200;
- quantidade de línguas indígenas remanescentes no Brasil em 2005: cerca de 181;
- dessas 181 línguas, 76% são faladas por menos de mil pessoas cada;
- o trabalho de documentação dessas línguas antes que sejam extintas não está sendo feito como deveria. O motivo principal? Faltam pesquisadores. Nossos cursos de letras são voltados para a formação de professores escolares, produzindo apenas um punhado de linguistas capazes de fazer a coleta necessária. A falta de recursos também não ajuda muito.

Evidência número dois, um artigo sobre a concepção equivocada de que no Brasil só se fala português e de que haveria uma correlação entre ser brasileiro e falar português. Evidência de que essa visão é errada? Aqui vai:

Para compreendermos a questão é preciso trazer alguns dados: no Brasil de hoje
são falados por volta de 200 idiomas. As nações indígenas do país falam cerca de 170
línguas (chamadas de autóctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes
outras 30 línguas (chamadas de línguas alóctones). Somos, portanto, como a maioria
dos países do mundo - em 94% dos países do mundo são faladas mais de uma língua -
um país de muitas línguas, plurilíngüe.


Tampouco o "mito do monolinguismo" é inofensivo, por ter sido promovido ativamente ao longo do tempo, justificando repressões de toda ordem. O Estado, seja o português no período colonial ou o brasileiro desde a independência, não se marcou historicamente por uma grande tolerância pela diversidade de falas. Além da questão dos índios, temos a dos imigrantes italianos e alemães durante a era Vargas:

Durante o Estado Novo, mas sobretudo entre 1941 e 1945, o governo ocupou as
escolas comunitárias e as desapropriou, fechou gráficas de jornais em alemão e
italiano, perseguiu, prendeu e torturou pessoas simplesmente por falarem suas línguas
maternas em público ou mesmo privadamente, dentro de suas casas, instaurando uma
atmosfera de terror e vergonha que inviabilizou em grande parte a reprodução dessas
línguas, que pelo número de falantes eram bastante mais importantes que as línguas
indígenas na mesma época: 644.458 pessoas, em sua maioria absoluta cidadãos
brasileiros, nascidos aqui, falavam alemão cotidianamente no lar, numa população
nacional total estimada em 50 milhões de habitantes, e 458.054 falavam italiano, dados
do censo do IBGE de 1940 (Mortara, 1950). Essas línguas perderam sua forma
escrita e seu lugar nas cidades, passando seus falantes a usá-las apenas oralmente e cada
vez mais na zona rural, em âmbitos comunicacionais cada vez menos extensos.


Se a maior parte da população brasileira de hoje é monoglota em português e falar português é considerado um fator de identidade nacional, isso é a soma de um passado em que outras línguas foram ou ignoradas ou ativamente discriminadas. Os paralelos com outras áreas - sexualidade, religiosidade, etnicidade - estão aí para quem quiser fazer as comparações. A grande questão é se queremos continuar seguindo por esse caminho.

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