É o caso da situação de morte iminente de uma língua indígena mexicana, o ayapaneco, só falado por dois idosos que, por alguma desavença, não se falam há anos. Pensando bem, isso quer dizer que o ayapaneco já está, para todos os efeitos práticos, morto.
Eis a notícia, extraída do Clarín. Meus comentários seguem abaixo.
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Una lengua morirá por la pelea de sus dos hablantes
21/03/11
El ayapaneco, una de las 364 variantes lingüísticas que existen en México, está condenado a muerte debido a que en el mundo quedan únicamente dos hablantes ancianos que, por enemistades, llevan ya varios años sin comunicarse entre ellos.
Manuel Segovia, de 75 años, e Isidro Velázquez, de 69, son el único testimonio vivo de esta lengua indígena que tiene sus orígenes en el municipio de Jalapa de Méndez, en el sureño estado mexicano de Tabasco.
Ambos viven en la pequeña comunidad de Ayapan y, aunque sus casas están separadas tan sólo por 500 metros , no mantienen relación alguna desde hace años por un desencuentro del que se desconoce el origen.
Según el Instituto Nacional de Lenguas Indígenas (INALI), Segovia les explicó en su momento de que a mediados del siglo XX había casi 8.000 familias ayapanecas, y que a partir de la construcción de la carretera Villahermosa-Comacalco comenzó la migración de estos pobladores y, con ello, la paulatina extinción de su lengua.
“El tiempo y el progreso transformaron el pueblo, la gente se iba a trabajar a los pueblos más grandes y ahí empezaron a ver y a traer otras costumbres”, afirmó Segovia. “Cuando muramos los dos se acabó, la lengua morirá”, sentenció.
No obstante, la riqueza de esta lengua se conservará escrita gracias a que dos lingüistas estadounidenses de la Universidad de Standford grabaron durante dos años a Manuel Segovia pronunciando frente a un micrófono las miles de palabras que conocía . Con las grabaciones hicieron un diccionario que, según Segovia, se vende en Estados Unidos.
En una situación menos grave, pero no por ello menos preocupante, se encuentran en peligro al menos 36 variantes más de lenguas indígenas de México. Según expertos, podrían seguir el camino de las 141 variantes lingüísticas que desde tiempos de la colonia hasta nuestros días ya han desaparecido.
Manuel Segovia, de 75 años, e Isidro Velázquez, de 69, son el único testimonio vivo de esta lengua indígena que tiene sus orígenes en el municipio de Jalapa de Méndez, en el sureño estado mexicano de Tabasco.
Ambos viven en la pequeña comunidad de Ayapan y, aunque sus casas están separadas tan sólo por 500 metros , no mantienen relación alguna desde hace años por un desencuentro del que se desconoce el origen.
Según el Instituto Nacional de Lenguas Indígenas (INALI), Segovia les explicó en su momento de que a mediados del siglo XX había casi 8.000 familias ayapanecas, y que a partir de la construcción de la carretera Villahermosa-Comacalco comenzó la migración de estos pobladores y, con ello, la paulatina extinción de su lengua.
“El tiempo y el progreso transformaron el pueblo, la gente se iba a trabajar a los pueblos más grandes y ahí empezaron a ver y a traer otras costumbres”, afirmó Segovia. “Cuando muramos los dos se acabó, la lengua morirá”, sentenció.
No obstante, la riqueza de esta lengua se conservará escrita gracias a que dos lingüistas estadounidenses de la Universidad de Standford grabaron durante dos años a Manuel Segovia pronunciando frente a un micrófono las miles de palabras que conocía . Con las grabaciones hicieron un diccionario que, según Segovia, se vende en Estados Unidos.
En una situación menos grave, pero no por ello menos preocupante, se encuentran en peligro al menos 36 variantes más de lenguas indígenas de México. Según expertos, podrían seguir el camino de las 141 variantes lingüísticas que desde tiempos de la colonia hasta nuestros días ya han desaparecido.
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Apesar do título sensacionalista escolhido pelo Clarín, a notícia mostra que a briga de Manuel e Isidro fez pouca diferença para o ayapaneco, sendo apenas a gota da água. O que matou esse idioma foram dois fenômenos mais profundos: a pobreza da população indígena do interior, que busca melhores oportunidades nas cidades, e o descaso da sociedade - a população urbana, o governo mexicano e, provavelmente, os próprios indígenas aculturados nas cidades - por idiomas que não o espanhol, o que torna a geração seguinte ao êxodo rural monoglota em espanhol.
Para deixar clara minha posição, não tenho nada contra as pessoas buscarem uma vida melhor ou aprenderem novos idiomas para isso, seja o espanhol no México, o português no Brasil ou o que for. Mas não é preciso esquecer uma língua para aprender outra - se não acredita em mim, pergunte a qualquer belga ou suíço. A opção não era manter o ayapaneco ou usar o espanhol. O que gostaria é que os ex-moradores de Ayapan estivessem num contexto em que o ayapaneco tivesse sido valorizado como uma herança cultural insubstituível e transmitido para as gerações seguintes. Mas quem sou eu para ter a pretensão de reverter séculos em que tudo que os índios americanos fazem é visto como "coisa de índio" e sua cultura é considerada um obstáculo à integração?
Alguém poderia perguntar, sentimentalismos à parte, que falta nos fará o ayapaneco. Sentimentalismos à parte, cada idioma é uma parte do nosso legado cultural comum enquanto seres humanos. Para começo de conversa, um idioma carrega consigo a história dos seus falantes. Vamos supor por um momento que se perdesse qualquer vestígio da existência do português brasileiro: perderíamos um registro da história da colonização portuguesa, com seus contatos e empréstimos de populações indígenas e africanas, e da história posterior do Brasil como país independente e sua considerável abertura a/dependência de influências da Europa e, depois, dos Estados Unidos, como mostrado pela incorporação de inúmeras palavras francesas e inglesas desde o século 19 - sim, esses empréstimos fazem parte da nossa história, desde os já digeridos há tempo, como garage e abat-jour (sim, roubamos garagem e abajur dos franceses) aos mais recentes, como internet e mouse. O que deveria ser feito dessas palavras é outra questão - hoje, estou falando da língua como registro histórico, não de patriotismo barato. Falando em patriotismo barato, não mencionei o curioso fenômeno do inglês made in Brazil, como outdoor ou baby look - quem se opõe a isso por motivos nacionalistas deveria considerar que, presumivelmente, adaptar o idioma imperial às nossas próprias necessidades, de uma forma que nenhum americano ou inglês reconheceria (o que é um hóti dógui, perguntaria ele?), é uma forma de resistência. Ou não?
Segundo, e não menos importante, cada idioma tem suas peculiaridades, desde formas gramaticais únicas até as pequenas excentricidades sem as quais a capacidade de expressão humana - ou nossa compreensão do potencial dessa capacidade - se limita um pouco. Sem ser linguista, só posso dar exemplos que considero interessantes dentro do meu repertório limitado: os japoneses se expressam muito bem sem precisar de conjugações por gênero e número; em contrapartida, os adjetivos japoneses têm conjugações para o presente e passado e para afirmação ou negação. Por exemplo, akai significa vermelho; akakunai, não-vermelho; akakunakatta, não-era-vermelho. Ou vermelha, vermelhos...
O inglês tem três gêneros - masculino, feminino e neutro - que não são muito importantes, já que só mudam os pronomes; via de regra, objetos inanimados são neutros, com algumas exceções pitorescas. É o caso dos navios, que recebem poeticamente o pronome feminino she, como uma forma de apego dos marinheiros às suas embarcações. Como um marinheiro brasileiro expressaria o mesmo sentimento, ou como poderíamos traduzi-lo? "Minha nau"?? E, como Borges dizia, o inglês tem uma flexibilidade para compor palavras que está ausente no espanhol - ou no português. Wordsmith soa razoavelmente natural, ferreiro de palavras é mais canhestro.
Falando no espanhol, eis um idioma que esconde algumas curiosidades em meio às semelhanças com o português. Coisas pequenas mas interessantes, como o numeral dos que não se conjuga no feminino, como o nosso dois/duas, ou sueño, ao mesmo tempo sono e sonho, como se fosse natural termos uma palavra para cada uma dessas coisas; na mesma linha, o japonês ashi é perna ou pé, e o inglês ship pode ser um navio ou uma espaçonave.
E para nós, que pensamos no sol masculino e na lua feminina, é curioso defrontar-se com o alemão, em que é justamente o contrário.
Enfim, fosse eu um linguista, daria uma resposta competente e fundamentada, com exemplos gramaticais e lexicais realmente raros (talvez as línguas africanas que usam estalos), e não uma lista de pequenas anedotas. O realmente importante aqui, e qualquer poliglota vai entender o que estou dizendo, é o seguinte: não existem idiomas equivalentes. Cada um tem suas palavras difíceis de traduzir, suas rimas e trocadilhos próprios (justamente o que torna a poesia quase intraduzível), suas formas de expressão raras e pensamentos que são mais fáceis de expressar nesse idioma do que em qualquer outro, seja por maior ou menor precisão, pela variação de significado de uma palavra ou mais palavras, ou o que for. Quando um idioma se perde, perdemos também uma forma de expressão. Vamos perder algo com o ayapaneco, é só dois velhinhos mexicanos e dois linguistas americanos sabem o quê.
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