abril 15, 2011

22. Origem dos idiomas?

No final da semana, boa parte das notícias científicas da mídia são uma divulgação das novidades em duas das principais revistas americanas da área, a Science e a Nature. Hoje, um artigo interessante da Science, em sua vulgata feita pela Folha.
Comentários após o fim da reportagem.
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15/04/2011 - 11h01

Linguagem humana tem origem na África, afirma pesquisa


REINALDO JOSÉ LOPES
GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
O continente africano, além de berço da espécie humana, também teria sido o local em que um idioma de verdade, com gramática e vocabulário complexos, foi falado pela primeira vez na história.
A ideia está sendo defendida em um novo estudo, que analisou mais de 500 línguas de todas as partes do mundo em busca do caminho que a ªinvençãoº da linguagem teria seguido planeta afora.
Segundo o trabalho, publicado nesta semana na revista americana "Science", a variedade de fonemas ±a menor unidade sonora, que permite a diferenciação entre as palavras± altera-se conforme a localização geográfica.
A maior quantidade de fonemas se concentra no seria o "marco zero" das línguas, o centro-sul da África.
Conforme os idiomas vão se afastando dessa aparente fonte comum, eles vão ficando empobrecidos em fonemas ±com menos tipos de vogais, consoantes e tons (variantes "musicais" das sílabas, comuns em línguas como o chinês, por exemplo).

Editoria de Arte/Folhapress
COISA VIVA
O autor da pesquisa, Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), aparentemente está construindo a carreira com base na ideia de que línguas podem funcionar de forma idêntica a coisas vivas.
Na década passada, ele usou métodos normalmente utilizados para estudar o parentesco evolutivo entre seres vivos para propor uma data para a origem das línguas indo-europeias -- basicamente quase todas as línguas da Europa mais as de regiões como Índia, Paquistão e Irã.
Nesse estudo, ele estimou que esse tronco de línguas "brotou" pela primeira vez há 9.000 anos. Isso poderia ligá-las à expansão de agricultores da atual Turquia rumo à Europa, substituindo os antigos habitantes da região.
"É muito interessante, entre outras coisas porque muitos linguistas históricos aqui no Brasil, que estudam línguas indígenas, ainda não aplicam essas ideias à expansão de povos no passado", diz o geneticista Fabrício Rodrigues dos Santos, da UFMG.
Segundo Atkinson, uma coisa já sabida é que, quanto maior a população que fala uma língua, maior o número de fonemas de dita cuja.
Mas isso não significa que o chinês seja automaticamente a língua mais rica em fonemas do planeta. Faz muita diferença também o tempo que uma população grande fala certo idioma ±e nesse quesito a África parece ser imbatível, já que seres humanos modernos habitam o continente há bem mais tempo.
O padrão, além do mais, bate com o da genética -- os africanos também são geneticamente mais diversificados que o resto da humanidade.
"E, de fato, eles possuem fonemas como os que envolvem cliques [estalos], aparentemente únicos", diz Santos.
Atkinson usa os dados para propor um único "eureca" linguístico há uns 70 mil anos na África, que teria, inclusive, uma associação com os primeiros indícios de arte e adornos corporais, também datados dessa época.
Segundo essa visão, a linguagem complexa teria sido uma das ferramentas centrais para que a humanidade moderna avançassem pelos continentes e acabasse suplantando, de algum modo, hominídeos como os neandertais da atual Europa.

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A pesquisa de Atkinson está longe de ser definitiva, e os críticos já estão questionando a validade de estudos linguísticos que tentem retroceder tanto no tempo - em geral, pesquisas na área não passam dos últimos 10 mil anos. Pelos próximos anos os especialistas vão se posicionar, soltar críticas e contracríticas, e depois de algum tempo, quando o assunto já tiver sido esquecido pelo resto do mundo, talvez cheguem a um consenso.

Até lá, provavelmente os únicos pontos de que ninguém discorda são:
a) nosso último ancestral em comum com os chimpanzés e bonobos, que viveu há 5-7 milhões de anos, não falava, e
b) há 40 ou 50 mil anos atrás, quando temos evidências incontestáveis de comportamento simbólico humano (arte rupestre, por exemplo), é praticamente certo que os humanos falassem.

A data correta então está em algum ponto entre as datas A e B, a menos que, como é perfeitamente possível, a linguagem não tenha surgido de um lampejo súbito de criatividade, mas de um processo gradual em que cada espécie tinha capacidade de comunicação mais complexa que a anterior, e o ponto em que podemos dizer que havia linguagem torna-se mais uma disputa em torno de definições do que é linguagem do que a procura por uma data-chave.

(Usei o termo "espécie" bem despreocupadamente, quando na verdade ele é uma dor de cabeça para os biólogos e paleontólogos. Resumindo, eis o problema: uma espécie é, em termos gerais, o conjunto de seres capazes de cruzar e ter descendentes férteis. Para os seres que estão vivos no mesmo momento, é fácil dizer quem pertence a qual espécie. A dificuldade é quando adicionamos o fator tempo. Pegando um exemplo de Dawkins, se tivéssemos uma máquina do tempo e voltássemos para mil anos atrás, uma pessoa do ano 2011 poderia ter filhos com uma do ano 1011. Se colocássemos uma pessoa do ano 1011 na máquina e a deixássemos mil anos antes disso, no ano 11, ela também poderia ter filhos com as pessoas de então. Uma pessoa do ano 11 também poderia ter filhos com as pessoas que viveram mil anos antes dela, e assim vai.
O mesmo valeria não importa quantas vezes voltássemos no tempo: mil anos são um prazo pequeno o suficiente para garantir que não haveria grandes mudanças genéticas e as pessoas separadas por esse período continuariam sempre sendo "da mesma espécie". Mas, à medida que, de milênio em milênio, voltamos 50, 100, 500 mil anos, mesmo que cada grupo humano que encontremos seja parecido com os de mil anos antes e depois, chegaria um ponto em que eles seriam diferentes o suficiente de nós para que nós e eles não pudéssemos nos reproduzir. Espécies diferentes, portanto, apesar de ser um processo gradual: não existe um determinado ponto em que um casal de Homo erectus tem um filho Homo sapiens. Naturalmente, o outro problema é que não temos essa máquina do tempo e, a cada novo fóssil, precisamos debater a que distância ele se encontra do resto da nossa árvore.)

Enfim, os debates continuam. Resta esperar e ver...

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