Hoje, parei para pensar a respeito e fiquei preocupado com uma ideia que surgiu: será que, em algum lugar do planeta, alguma (ou algumas? muitas?) daquelas crianças que cresceram com os Flintstones não se tornou um adulto que ainda acha que aquilo é de verdade? Que as pessoas da pré-história viviam como americanos dos anos 60 COM DINOSSAUROS?
Talvez seja um simples caso de cinismo exagerado e essas pessoas não existam de verdade. Tomara. Mas ainda acho que elas estão à solta, no meio de nós, e passamos por elas na rua todos os dias. Em seu mundinho que descende de carros de pedra, dinossauros-guindastes, dinossauros de estimação e crianças que brincam com tacapes.
Se elas realmente existem, é claro que a culpa não seria dos criadores do desenho. Querer responsabilizar alguém por fazer uma história de faz de conta para divertir crianças? Por favor! Se devemos procurar culpados por um fenômeno talvez inexistente, são aqueles que nunca dizem às crianças - nem aos adolescentes e adultos... - que devem questionar o que veem. Que nem tudo é o que parece ser. Em seis palavras: gente que nunca ensina senso crítico.
Pela minha experiência pessoal, a escola não está fazendo sua parte nisso. Com raríssimas exceções, a ideia de "senso crítico" dos meus professores não era ensinar a pensar e dar as ferramentas para que chegássemos às nossas próprias conclusões. Longe disso, o senso crítico que eles passavam significava um esquerdismo vulgar, um antiamericanismo mais vulgar ainda e um marxismo tão vagabundo que ainda hoje deve estar rodando a bolsa em alguma esquina. Que nunca eram sujeitos a críticas, claro.
(Existem versões mais inteligentes dessas ideologias, mas os alunos certamente não tinham contato com elas. Não tenho muita certeza quanto aos professores.)
Mas não faz sentido responsabilizar Fred Flintstone pelos problemas educacionais do Brasil. Ele era só um americano comum levando a vida numa cidade pré-histórica.
Aliás, os Flintstones sofriam de pelo menos três anacronismos gritantes para pessoas pré-históricas: primeiro, como disse antes, eles eram social, cultural, até tecnologicamente, americanos do século 20. Tente encontrar um bando de caçadores-coletores com jornada de trabalho pré-determinada, ou com o homem saindo para trabalhar e a mulher cuidando do lar, tente!
(Generalizando, os caçadores-coletores dividem o trabalho sexualmente. Os homens caçam, as mulheres colhem.)
Segundo, os malditos dinossauros, que estavam extintos milhões de anos antes que algum ser humano tivesse a ideia de bater duas pedras para ver o que acontecia.
(E provavelmente se cortou. Fazer instrumentos de pedra é mais difícil do que parece!)
O terceiro problema são justamente as pedras. É uma brincadeira do desenho que os personagens tivessem nomes que lembrassem pedra (sr. Pedregulho, Pedrita, Fred Flintstone, Barney Rubble...) e que quase tudo ao seu redor fosse feito de pedra. Carros de pedra, jornais de pedra, casas de pedra... certo, porque eles viviam na idade da pedra. Ou não?
Na verdade, Idade da Pedra é um desses nomes que se popularizaram e provavelmente vão entulhar nosso vocabulário para todo o sempre, mas que não faz tanto sentido assim. O termo surgiu porque praticamente só o que os arqueólogos do século 19 encontraram para períodos antes da descoberta dos metais eram ferramentas de pedra. E objetos de cerâmica nos milênios mais recentes, mas principalmente pedra: machados de pedra, foices de pedra, agulhas de pedra, estátuas de pedra...
Como não tinham outro material para analisar, pareceu que a pedra era a supertecnologia da pré-história, e o nome pegou, com duas divisões para os especialistas - Idade da Pedra Lascada, ou Paleolítico, e Idade da Pedra Polida, ou Neolítico (cuja verdadeira grande inovação não foram instrumentos de pedra melhores, mas a agricultura e todas as suas consequências). Acho que Idade da Cerâmica teria soado melhor que Neolítico, mas agora é tarde.
Só que o motivo de não acharem outros materiais não é que eles não existissem. A dependência dos Flintstones por pedras não faria sentido para nenhum bando pré-histórico que se prezasse. Eles usavam uma variedade de outros materiais no dia-a-dia, como madeira - nossos primos chimpanzés também sabem usar ferramentas de madeira, como varetas para pegar cupins, então o princípio básico não estava acima da capacidade dos nossos ancestrais. Mas como a madeira - e a grama, o couro, os tecidos - é perecível e dificilmente se encontram ferramentas antigas desse material, ela perdeu a batalha da nomenclatura. Idade da Madeira também soa bem.
É por essa escassez que cada descoberta de um objeto antigo feito de material perecível é valiosa. Uma das grandes descobertas arqueológicas recentes foi desse tipo: o sapato mais antigo que conhecemos, com cerca de 5500 anos de idade, achado em uma caverna na Armênia. Um pé direito, de couro, aproximadamente tamanho 35.
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A última moda na Armênia há 5500 anos atrás. O enchimento de palha mantinha a forma do sapato. |
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O local da descoberta, perto da fronteira com o Azerbaijão. |
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O interior da caverna. O quadriculado é uma técnica arqueológica para mapear as escavações. |
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