dezembro 08, 2010

5. As 210 causas da queda de Roma

No último post, quis mostrar as dificuldades que temos ao tentar descobrir o que "realmente aconteceu", e como às vezes isso é praticamente impossível - o melhor que se consegue é ficar entre duas ou três interpretações coerentes, mas sem motivos para preferir uma delas à outra. O caso de Nero, por mais interessante que seja, é relativamente simples: o que uma pessoa fez durante alguns anos. As dificuldades aumentam infinitamente quando o problema estudado é mais complexo; talvez o exemplo mais extremo, pela atenção que recebeu de inúmeros estudiosos pelos últimos séculos, seja o da queda de Roma (por Roma entenda-se a parte ocidental do império, cuja capital no século 5 já não era a cidade de Roma).

O historiador alemão Alexander Demandt reuniu em um livro as 210 causas que já haviam sido usadas para explicar a queda de Roma. Como o livro é de 1984, certamente surgiu mais um punhado de possibilidades desde então, mas Demandt serve como ponto de partida. A lista completa pode ser vista aqui (em inglês), e coloquei abaixo alguns dos destaques:

1 - abolição dos deuses;
2 - abolição dos direitos;
3 - ausência de caráter;
4 - absolutismo;
5 - questão agrária;
6 - escravidão agrária;
7 - anarquia;
8 - antigermanismo;
9 - apatia;
10 - aristocracia;
11 - ascetismo;
12 - ataque dos germanos;
13 - ataque dos hunos;
14 - ataque de cavaleiros nômades;
21 - bolchevização;
23 - burocracia;
26 - capitalismo;
29 - celibato;
30 - centralização;
32 - cristianismo;
33 - concessão de cidadania;
34 - guerra civil;
36 - comunismo;
43 - excessos culinários;
44 - neurose cultural;
45 - descentralização;
46 - declínio do caráter nórdico;
50 - degeneração;
61 - desarmamento;
68 - emancipação dos escravos;
70 - epidemias;
73 - escapismo;
76 - excesso de civilização;
78 - excesso de infiltração estrangeira;
84 - emancipação feminina;
85 - feudalização;
90 - hedonismo;
93 - homossexualidade;
97 - grandeza desmedida;
107 - inflação;
110 - irracionalidade;
111 - influência judaica;
121 - envenenamento por chumbo;
122 - letargia;
135 - militarismo;
139 - declínio moral;
148 - pacifismo;
157 - politeísmo;
158 - pressão populacional;
164 - psicoses;
165 - banhos públicos;
166 - degeneração racial;
169 - racionalismo;
179 - ruína da classe média;
187 - escravidão;
189 - socialismo de Estado;
196 - fraqueza estrutural;
199 - terrorismo;
201 - totalitarismo;
210 - vulgarização.

Algumas dessas "causas" não devem ser defendidas por ninguém desde o final da II Guerra (degeneração racial? Declínio do caráter nórdico? Influência judaica?), mas só as 60 que selecionei aqui já explicam a ascensão e a queda de praticamente qualquer coisa. Quando o mesmo fenômeno já foi atribuído ao capitalismo e ao comunismo, à anarquia, ao totalitarismo e à feudalização, ao militarismo e ao pacifismo, à centralização e à descentralização, ao racionalismo e à irracionalidade, temos um problema. O que as 210 hipóteses têm em comum é que são absurdas, ou contraditórias, ou vagas demais (incluindo a minha preferida, "fraqueza estrutural"), ou impossíveis de testar (como podemos medir o declínio moral ou o excesso de civilização?), ou ocorreram em muito pequena escala para explicar tudo (terrorismo, envenenamento por chumbo), ou, finalmente, não explicam porque apenas a metade ocidental e mais pobre do império caiu.

Para dizer a verdade, nem todas elas são ruins, e algumas só parecem absurdas quando sintetizadas em uma frase. Os ataques dos germanos tiveram alguma relação com a crise, e a fraqueza estrutural, se bem definida, também - o que leva à velha questão: Roma morreu ou foi assassinada? Caiu pelos ataques de fora ou porque estava enfraquecida demais para resistir a eles? E precisa ser por um motivo ou outro, como se as coisas não estivessem ligadas entre si?

Ou - Demandt não colocou essa possibilidade na lista, mas é uma hipótese interessante - será que Roma não caiu? A parte oriental do império, a mais populosa e rica, sobreviveu por mais um milênio, e seus habitantes se consideravam romanos até o fim, mesmo que hoje muitos os chamem de "bizantinos". A parte ocidental se fragmentou e deixou de ter um imperador em 476, mas os reis que surgiram em seu lugar eram fiéis, pelo menos teoricamente, ao imperador em Constantinopla, e em geral faziam o possível para manter o que pudessem de "romanidade" em seus territórios - afinal, a população que havia vivido sob os Césares era a mesma que agora servia aos reis visigodos, francos, etc. A tese continuísta tem seus defensores, e contribuiu para enriquecer a compreensão da cultura e da sociedade do período que se denominou Antiguidade Tardia - cujos limites são imprecisos, mas iriam, no extremo, de 200 a 800 - vista agora não pelo ângulo do "declínio", mas por seus aspectos criativos: a cristianização da sociedade, a transformação do cristianismo, a síntese cultural entre germanos e romanos, e por aí vai.

Entre os continuístas e os adeptos da "queda de Roma", com suas múltiplas hipóteses, o debate continua, e certamente vai continuar assim por bastante tempo. Para quem precisar de assunto para uma tese, sempre é possível tentar subverter as explicações e, quem sabe, atribuir a continuidade de Roma à emancipação feminina, aos excessos culinários e aos banhos públicos.

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