janeiro 31, 2011

15. O eurocentrismo em nosso ensino - alguns dados

Os poucos - mas valorosos! - leitores habituais destas páginas já devem estar acostumados a encontrar aqui comentários pouco elogiosos sobre o ensino de história no Brasil, e talvez também tenham percebido que minha principal queixa é contra o eurocentrismo que predomina desde o ensino fundamental até a universidade, num ciclo autoperpetuador de ignorância em relação ao resto do mundo.

Hoje, enquanto procurava material sobre outros assuntos (chegou a hora de começar a escrever a dissertação de mestrado), encontrei algo que vem ao encontro do que estou dizendo: a dissertação de Isao Ishibashi, intitulada Um estudo comparativo do conteúdo didático da disciplina de História Geral do ensino médio brasileiro e japonês. O dado que quero mostrar está nas páginas 15 e 16, que mostram o resultado de uma pesquisa preliminar feita por Ishibayashi em 1994 sobre a distribuição dos conteúdos em livros didáticos brasileiros e japoneses:

Área                                                           em livros brasileiros          em livros japoneses

Europa                                                                >90%                                c. 50%
Ásia                                                                     c. 2%                                 c. 40%
América Latina                                                    c. 1%                                   c. 2%
América do Norte                                               c. 3%                                   c. 3%
África                                                                    0,3%                                   c. 2% 
Oceania e ilhas do Pacífico                                 0%                                c. 0,5%
Pré-história                                                          3,7%                                c. 2,5%

Os livros japoneses podem não ser perfeitos, mas cabe alguma dúvida de que o conteúdo está melhor distribuído lá do que aqui? Os japoneses estudam até mesmo mais história da América latina do que nós!

O texto de Ishibashi contém outros dados interessantes, incluindo comparações mais recentes (a tese data de 2004), que não reproduzo aqui porque os dados são mais difíceis de comparar - os livros brasileiros analisados por ele são do tipo "integral", com história do Brasil e geral, aumentando muito a porcentagem de história americana. Mesmo com isso, a Europa levou dois terços das páginas, mostrando que pouco ou nada mudou. Para quem quiser, as tabelas estão nas páginas 41 e 89, e nesta última está a prova definitiva de que os deuses têm senso de humor e ironia: os livros japoneses não falam nada sobre o Brasil...

Não é nenhum crime gostar de história europeia, mas não faz o menor sentido manter um sistema de ensino que dá tão pouco espaço ao que aconteceu fora da França e Inglaterra. O ensino não é nem mesmo decentemente eurocêntrico, é oeste-eurocêntrico, já que os autores de nossos livros dificilmente mencionam que existe vida a leste do Reno. Rússia? Ela existia mesmo antes de 1917? Polônia? Hungria? Suécia? Onde fica isso?

Termino com uma passagem de Ishibashi que aponta porque o eurocentrismo é um problema e uma maneira possível de superá-lo em parte - adotando o método japonês de reunir equipes de autores, de diversas áreas, para escrever os livros didáticos:

No Brasil, um ou dois historiadores escrevem os livros que são lançados ao mercado através de
grandes editoras, em geral, de porte e capacidade de distribuição pelo extenso território. No
Japão os livros são escritos por equipes grandes compostas por historiadores especializados
nas diferentes áreas da história, podendo ter cinco, seis, dez ou até cerca de 50 escritores.
Os conteúdos dos livros didáticos adotados no Japão são avaliados e controlados por um
órgão de ensino governamental, mais precisamente, o Ministério de Educação e Ciência,
que visa manter a qualidade, o equilíbrio e a padronização do ensino no país. Portanto não
se trata de crítica, mas de uma simples constatação, e acredito que essa constatação pode
mostrar uma formação básica de conhecimentos históricos no Brasil com abstenções
importantes que levam a uma tendência a ocidentalizar o ensino. Intencional ou não,
acredito que isso pode influenciar a curto e a longo prazo nas relações e negociações com
outros povos, seja no âmbito político, econômico ou social (p. 13).

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