Em resposta a um comentário anterior, alguns acréscimos, desta vez meus, sobre o conservadorismo brasileiro. Meio dispersos e apressados, mas acredito que não totalmente errados.
Resumindo em uma palavra, o pensamento político hegemônico no Brasil não é de esquerda ou direita: é coletivista. Isso fica mais compreensível se separamos a ideologia em aspectos sociais e econômicos para fins de análise.
Sociedade: liberdade individual (esquerda) x preservação dos valores coletivos (direita)
Economia: igualdade/redistribuição (esquerda) x liberdade/livre mercado (direita)
(Tudo isso é discutível, por não existirem definições universalmente aceitas de esquerda e direita, mas por enquanto serve.)
Nos dois aspectos, o brasileiro tende ao coletivismo. Socialmente, prefere a moralidade coletiva à liberdade de cada um viver como quiser, e assim é que questões como o casamento gay, o aborto ou a descriminalização das drogas geram tanta polêmica. Economicamente, prefere a igualdade, o que se dá pela valorização da "pobreza honesta" em detrimento do empreendedorismo, e pelo emprego da máquina estatal para redistribuir renda.
Essas tendências gerais - naturalmente muitas pessoas não se encaixam nesse molde - se refletem na política. Os partidos fortes são, como seus eleitores, socialmente à direita. O espaço de discordância se dá na esfera econômica, onde existe um espectro que vai da centro-esquerda (o PT, distributivista mas sem contestar o sistema) à centro-direita (o PSDB, mais pró-capital, mas na prática não menos estatista que o PT). Partidos menores, ou correntes dentro dos principais, se aproximam mais dos extremos, mas sua influência efetiva é muito limitada.
Uma consequência: como só há dissenso forte na economia, "esquerda" e "direita" viraram sinônimos da posição que se tem nesse campo. Não existe um partido ou uma facção política relevante que seja socialmente de esquerda, em favor dos direitos civis, então esse aspecto fica fora da equação. Ser de esquerda, em termos cotidianos, é valorizar a igualdade econômica, e de direita, a liberdade econômica. E sim, nesse aspecto específico o Brasil tende à esquerda.
Se supormos que a expressão de opiniões divergentes na política é positiva, ao permitir maior confronto de ideias, chegamos ao primeiro problema: nos aspectos sociais, não existe esquerda por aqui. Existem pessoas à esquerda, mas não um grupo organizado, e não um ponto de vista aceito como legítimo. Quantos políticos conseguiriam se eleger, digamos, prometendo liberar o aborto e o uso de drogas? Ou abolir o ensino religioso nas escolas públicas? Pouquíssimos, provavelmente, o que talvez explique porque pouquíssimos chegam a tentar. O discurso político hegemônico é pró- "bons costumes", "valores cristãos", "família tradicional". As pessoas não votam em quem promete deixar cada um cuidar da sua vida.
Segundo problema: nos aspectos políticos, não existe direita - ou, novamente, pelo menos ela não é aceita como legítima. Partidos como o DEM e o PSDB possuem membros liberais e um discurso por vezes mais liberalizante, mas sua prática não é assim tão diferente da média. O governo FHC, por exemplo: foi mais liberal em alguns poucos aspectos, principalmente a privatização de algumas estatais. Mas o aparato estatal propriamente dito, esse não diminuiu. FHC, como seus sucessores, aumentou os quadros do funcionalismo público, a quantidade de ministérios, a carga tributária, o assistencialismo (as bolsas do Lula foram uma sistematização e expansão de precedentes abertos pelo governo anterior a ele)... existe um abismo considerável entre um FHC e uma Margaret Thatcher.
E, apesar do discurso de esquerda ser mais comumente visto como legítimo que o de direita, tampouco temos uma esquerda convicta e influente. As correntes políticas que se dizem de esquerda são ou 1) politicamente marginalizadas, ou 2) de centro-esquerda moderada, ou 3) oportunistas e assistencialistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário