Quando o mundo parece um lugar sombrio e sem esperança, nada mais divertido (sob uma ótica, confesso, um tanto cínica) do que ver o que nossos queridos representantes estão fazendo com os mandatos que lhes demos. Ao invés de resolver problemas, grandes ou pequenos, tomam medidas totalmente inócuas como esta, aprovada recentemente pela Assembleia Legislativa do RS:
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Projeto de Lei nº 156 /2009
Deputado(a) Raul Carrion
Institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou
palavras estrangeiras para a língua portuguesa, sempre que
houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente, no
âmbito do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras
providências.
Art. 1º Institui a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a língua
portuguesa, em todo documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de comunicação
através da palavra escrita no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, sempre que houver em nosso idioma
palavra ou expressão equivalente.
§ 1º – Nos casos excepcionais, em que não houver na língua portuguesa palavra ou expressão
equivalente, o significado ou tradução da palavra ou expressão estrangeira deverá estar escrito, com o
mesmo destaque, subseqüentemente a sua utilização no texto.
§ 2º - A tradução a que se refere o caput deste artigo deve ser do mesmo tamanho que as palavras
em outro idioma expostas no documento, material informativo, propaganda, publicidade ou meio de
comunicação em questão.
Art. 2o Todos os órgãos, instituições, empresas e fundações públicas deverão priorizar na redação
de seus documentos oficiais, sítios virtuais, materiais de propaganda e publicidade, ou qualquer outra forma
de relação institucional através da palavra escrita, a utilização da língua portuguesa, nos termos desta lei.
Art. 3º Esta Lei poderá ser regulamentada para garantir sua execução e fiscalização e para definir
as sanções administrativas a serem aplicadas àquele, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
descumprir qualquer disposição desta lei
Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Porto Alegre, 03 de agosto de 2009.
Deputado(a) Raul Carrion
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Pode parecer que essa patriotice não tem nada a ver com a história, e realmente não tem mesmo muito a ver. O que houve aqui é mais um esquecimento dela. Esquecimento de que o português não existe pronto e puro no mundo platônico das ideias, tendo se desenvolvido a partir do latim vulgar (a língua que o povão falava no império romano, muito diferente do latim literário que só a elite usava) com empréstimos imensos do árabe, depois de outras línguas europeias e, no caso da variante brasileira, tantos outros empréstimos de línguas africanas e indígenas.
Existe algum motivo convincente para querer limitar os empréstimos a partir de agora e não limitar os já feitos antes? Algum motivo para se preocupar com "parking" (um dos estrangeirismos que o autor do projeto menciona neste texto de justificativa) mas não com "futebol", que também veio do inglês (droga de ingleses imperialistas, corrompendo nosso idioma há cem anos atrás!)? Ou podemos voltar mais e considerar um estrangeirismo a palavra "arroz", que pegamos do árabe como milhares de outras (droga de árabes imperialistas, corrompendo nosso idioma há mil anos atrás!)? Pensando bem, se o verdadeiro objetivo é condenar o imperialismo, falar português no Brasil é meio descabido, já que a) os portugueses só falavam uma língua latina graças à conquista romana da Península Ibérica, imperialismo puro e desavergonhado, e b) só falamos português aqui porque os portugueses invadiram uma terra que não era deles, mataram e escravizaram a maior parte dos ocupantes anteriores...
Exageros à parte, um fato simples permanece: o Brasil tem origem colonial. Falamos a língua do colonizador. Foram derramados rios de sangue para que os portugueses se impusessem como donos do lugar e estabelecessem seus costumes, leis, língua, etc. Então como o português poderia ser "patrimônio cultural da nação e expressão da existência soberana do nosso povo"? E, se os deputados realmente acreditam nisso, por que não deixar o português nas mãos daqueles que mais entendem dele: nós, seus usuários de todos os dias?
É interessante, no mínimo, ver como os combates aos estrangeirismos/imperialismos de hoje implicam na aceitação dos estrangeirismos e imperialismos de ontem. Daqui a algumas décadas, essas palavras que os puristas de hoje perseguem já vão estar incorporadas na língua, e defendidas pelos puristas do futuro contra os estrangeirismos que virão - chineses, talvez...
Onde o ontem vive no hoje. Notas sobre a história, a ciência histórica e a vida acadêmica para leitores curiosos.
abril 27, 2011
abril 24, 2011
23. História do Oriente Médio e improvisações
Reportagem do Estado de S. Paulo sobre as iniciativas na rede de ensino paulista para que os alunos entendam o que está acontecendo atualmente no Oriente Médio. A intenção é louvável, mas se a história da região fosse decentemente ensinada, para começo de conversa, não seria preciso fazer esse tipo de improvisação a cada vez que a área chama a atenção do mundo (leia-se: muito frequentemente). Nada dessa bobagem de "a região já não cabe apenas nas aulas de história", uma vez que nunca esteve ali. No máximo, algumas pinceladas sobre o surgimento do Islã e sobre as consequências do imperialismo europeu, como se nada interessante tivesse acontecido por ali entre os séculos 7 e 19.
Testemunhei uma versão anterior do mesmo fenômeno em 2001, quando estava terminando o ensino médio, e os professores se desdobravam para tentar explicar o terrorismo, o 11 de setembro, como o Afeganistão se encaixava aí, etc. Digo tentar simplesmente porque, em geral, eles também não tinham ideia - a tendência do nosso sistema educacional de ignorar o mundo a leste da Europa ocidental é sistemática, indo do ensino básico ao vestibular e à universidade, de onde saem os pesquisadores e professores da geração seguinte. Uma máquina de deformação da história em perpétuo movimento...
Por último, qual o motivo para a reportagem repetir o termo "oriente" quando quer claramente dizer "Oriente Médio"? Devo admitir que detesto esse uso indiscriminado da palavra para significar, de forma genérica, "qualquer civilização/cultura que não a nossa", como se chamar árabes, curdos, turcos, iranianos, indianos, chineses, coreanos, afegãos, tailandeses, vietnamitas, etc etc etc, de "orientais" indicasse alguma característica comum entre eles.
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No início do mês, o Tucarena foi palco de um debate sobre revoluções, guerras, religiões, preconceito e democracia. A plateia lotada, que não hesitava em expressar a grande diversidade de opiniões, era formada por alunos do ensino médio. O evento foi idealizado pelos professores de História, Geografia e Filosofia do Colégio São Domingos, em Perdizes, a partir da demanda crescente dos alunos por discussões sobre os países do Oriente.
O professor Flávio Trovão, de História, explica que tudo foi feito para que os alunos compreendessem melhor o que está ocorrendo no mundo. “Além da questão do vestibular e do Enem - não tenho dúvidas de que é uma temática que vai ser abordada nos grandes exames desse ano - queremos que esses garotos vejam que somos um mundo em transformação constante”, afirma.
Também o ensino médio do Colégio Dante Alighieri, do Jardim Paulista, participou de um módulo de palestras especialmente desenvolvido para discutir as questões orientais. “Começamos a fazer isso antes da queda do Mubarack (ditador egípcio). Tivemos debates semanais para atualizar o rumo que as revoluções tinham tomado. O último já abarcava as questões da Líbia”, conta o professor Roberto Diago, coordenador do Departamento de História, Sociologia e Filosofia. “Recebi um e-mail de um pai de aluno nos agradecendo por ele finalmente ter entendido os conflitos. Foi porque seu filho tinha explicado tudo”, conta.
Redes sociais. Na opinião da professora Elisabeth Victoria Popp, das disciplinas de Geografia, Sociologia e Ética do Colégio Paulista (Copi), na Lapa, um dos fatores que mais despertou a atenção dos jovens para os movimentos populares orientais foi a ferramenta usada pelas nações daquela região para propagar a revolução: as redes sociais.
O colégio agendou até uma palestra especial sobre o assunto, em maio, com o jornalista Herbert Moraes, correspondente da Record no Oriente Médio, que acaba de voltar ao Brasil. O tema também entrou na disciplina de Geografia do 9º ano, na qual os alunos aprendem sobre globalização. Já no ensino médio, os conflitos foram estudados em Atualidades e em Ética. “Percebemos que na medida em que os jovens trazem para a escola informações sobre o que está acontecendo na sociedade, a escola consegue se abrir para isso e discutir essas questões com eles”, diz a professora.
Já no Colégio Santo Américo, localizado no Butantã, a revolução do Egito foi tema do primeiro simulado do ano para os alunos do ensino médio. “É uma nova ordem que está se estabelecendo no Oriente e o aluno tem de estar antenado. Provavelmente, o assunto será tema de vários vestibulares”, acredita o professor de Geografia Rui Calaresi.
De acordo com o educador, tem havido uma retomada por parte dos adolescentes no interesse a respeito das questões políticas e econômicas que se destacam na atualidade.
Evento multimídia torna a discussão mais atraente
Os alunos participaram de grande parte da organização do evento promovido pelo Colégio São Domingos no Tucarena: enquanto uma bancada coletava notícias dos jornais e da internet a respeito dos conflitos no Oriente, uma aluna postava no twitter atualizações sobre o evento. Outro estudante fazia desenhos ligados ao tema, que eram projetados no telão ao final de cada bloco de discussão e um colega grafitava em um painel o nome da atividade: ‘Oriente-se’.
Além de compreender melhor as revoluções populares dos países árabes, os estudantes receberam um aula de debate. Ao mesmo tempo em que eram estimulados a expressar suas opiniões, eram orientados a fundamentá-las com argumentos sólidos. "Estamos discutindo se a revolução no Egito e na Líbia vai resultar na formação de uma democracia. Mas no Brasil a gente também não vive em uma democracia", disse um dos alunos. "Mas o que é a democracia para você?", replicou um dos professores. Pouco a pouco, as ideias começaram a surgir mais fundamentadas, com direito a paralelos com outros eventos históricos, como a 2ª Guerra Mundial, citações de entrevistas lidas no jornal e de documentários da TV.
“Espero que eles olhem os conflitos e saibam que existe pessoas lutando e que eles fiquem mais conscientes de que a gente não pode ficar esperando as coisas acontecerem", diz o professor Flávio Trovão, de História.
Ele explica que o evento tem como mérito o grande empenho em pesquisa exigido dos estudantes. “Alguns entrevistaram por e-mail uma repórter da agência Reuters, no Egito”, conta.
De caráter multimídia, o evento contou ainda com a apresentação de vídeos editados pelos próprios estudantes com imagens de arquivo colhidas no Youtube. Houve também algumas apresentações musicais.
FRASES
"Recebi um e-mail de um pai de aluno nos agradecendo por ele finalmente ter entendido os conflitos no Oriente. Foi porque seu filho tinha explicado tudo"ROBERTO DIAGO
COORDENADOR DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, SOCIOLOGIA E FILOSOFIA DO COLÉGIO DANTE ALIGHIERI
"É uma nova ordem que está se estabelecendo no Oriente e o aluno tem de estar antenado. Provavelmente, esse assunto será tema de vários vestibulares"
RUI CALARESI
PROFESSOR DE GEOGRAFIA DO COLÉGIO SANTO AMÉRICO
Testemunhei uma versão anterior do mesmo fenômeno em 2001, quando estava terminando o ensino médio, e os professores se desdobravam para tentar explicar o terrorismo, o 11 de setembro, como o Afeganistão se encaixava aí, etc. Digo tentar simplesmente porque, em geral, eles também não tinham ideia - a tendência do nosso sistema educacional de ignorar o mundo a leste da Europa ocidental é sistemática, indo do ensino básico ao vestibular e à universidade, de onde saem os pesquisadores e professores da geração seguinte. Uma máquina de deformação da história em perpétuo movimento...
Por último, qual o motivo para a reportagem repetir o termo "oriente" quando quer claramente dizer "Oriente Médio"? Devo admitir que detesto esse uso indiscriminado da palavra para significar, de forma genérica, "qualquer civilização/cultura que não a nossa", como se chamar árabes, curdos, turcos, iranianos, indianos, chineses, coreanos, afegãos, tailandeses, vietnamitas, etc etc etc, de "orientais" indicasse alguma característica comum entre eles.
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Oriente vira a nova ‘disciplina’ escolar
Conflitos internacionais têm feito a região sair da aula de história e ganhar destaque na grade escolar
A região do Oriente já não cabe apenas nas aulas de história. Com as recentes revoluções populares no local, que começaram no Egito e provocaram uma reação em cadeia em várias nações árabes, ganhando a atenção do mundo todo, os colégios da capital passaram a investir em atividades focadas diretamente sobre esse tema para aproximá-lo dos alunos.
No São Domingos, alunos montaram uma grande gincana para discutir os conflitos no Oriente
O professor Flávio Trovão, de História, explica que tudo foi feito para que os alunos compreendessem melhor o que está ocorrendo no mundo. “Além da questão do vestibular e do Enem - não tenho dúvidas de que é uma temática que vai ser abordada nos grandes exames desse ano - queremos que esses garotos vejam que somos um mundo em transformação constante”, afirma.
Também o ensino médio do Colégio Dante Alighieri, do Jardim Paulista, participou de um módulo de palestras especialmente desenvolvido para discutir as questões orientais. “Começamos a fazer isso antes da queda do Mubarack (ditador egípcio). Tivemos debates semanais para atualizar o rumo que as revoluções tinham tomado. O último já abarcava as questões da Líbia”, conta o professor Roberto Diago, coordenador do Departamento de História, Sociologia e Filosofia. “Recebi um e-mail de um pai de aluno nos agradecendo por ele finalmente ter entendido os conflitos. Foi porque seu filho tinha explicado tudo”, conta.
Redes sociais. Na opinião da professora Elisabeth Victoria Popp, das disciplinas de Geografia, Sociologia e Ética do Colégio Paulista (Copi), na Lapa, um dos fatores que mais despertou a atenção dos jovens para os movimentos populares orientais foi a ferramenta usada pelas nações daquela região para propagar a revolução: as redes sociais.
O colégio agendou até uma palestra especial sobre o assunto, em maio, com o jornalista Herbert Moraes, correspondente da Record no Oriente Médio, que acaba de voltar ao Brasil. O tema também entrou na disciplina de Geografia do 9º ano, na qual os alunos aprendem sobre globalização. Já no ensino médio, os conflitos foram estudados em Atualidades e em Ética. “Percebemos que na medida em que os jovens trazem para a escola informações sobre o que está acontecendo na sociedade, a escola consegue se abrir para isso e discutir essas questões com eles”, diz a professora.
Já no Colégio Santo Américo, localizado no Butantã, a revolução do Egito foi tema do primeiro simulado do ano para os alunos do ensino médio. “É uma nova ordem que está se estabelecendo no Oriente e o aluno tem de estar antenado. Provavelmente, o assunto será tema de vários vestibulares”, acredita o professor de Geografia Rui Calaresi.
De acordo com o educador, tem havido uma retomada por parte dos adolescentes no interesse a respeito das questões políticas e econômicas que se destacam na atualidade.
Evento multimídia torna a discussão mais atraente
Os alunos participaram de grande parte da organização do evento promovido pelo Colégio São Domingos no Tucarena: enquanto uma bancada coletava notícias dos jornais e da internet a respeito dos conflitos no Oriente, uma aluna postava no twitter atualizações sobre o evento. Outro estudante fazia desenhos ligados ao tema, que eram projetados no telão ao final de cada bloco de discussão e um colega grafitava em um painel o nome da atividade: ‘Oriente-se’.
Além de compreender melhor as revoluções populares dos países árabes, os estudantes receberam um aula de debate. Ao mesmo tempo em que eram estimulados a expressar suas opiniões, eram orientados a fundamentá-las com argumentos sólidos. "Estamos discutindo se a revolução no Egito e na Líbia vai resultar na formação de uma democracia. Mas no Brasil a gente também não vive em uma democracia", disse um dos alunos. "Mas o que é a democracia para você?", replicou um dos professores. Pouco a pouco, as ideias começaram a surgir mais fundamentadas, com direito a paralelos com outros eventos históricos, como a 2ª Guerra Mundial, citações de entrevistas lidas no jornal e de documentários da TV.
“Espero que eles olhem os conflitos e saibam que existe pessoas lutando e que eles fiquem mais conscientes de que a gente não pode ficar esperando as coisas acontecerem", diz o professor Flávio Trovão, de História.
Ele explica que o evento tem como mérito o grande empenho em pesquisa exigido dos estudantes. “Alguns entrevistaram por e-mail uma repórter da agência Reuters, no Egito”, conta.
De caráter multimídia, o evento contou ainda com a apresentação de vídeos editados pelos próprios estudantes com imagens de arquivo colhidas no Youtube. Houve também algumas apresentações musicais.
FRASES
"Recebi um e-mail de um pai de aluno nos agradecendo por ele finalmente ter entendido os conflitos no Oriente. Foi porque seu filho tinha explicado tudo"ROBERTO DIAGO
COORDENADOR DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, SOCIOLOGIA E FILOSOFIA DO COLÉGIO DANTE ALIGHIERI
"É uma nova ordem que está se estabelecendo no Oriente e o aluno tem de estar antenado. Provavelmente, esse assunto será tema de vários vestibulares"
RUI CALARESI
PROFESSOR DE GEOGRAFIA DO COLÉGIO SANTO AMÉRICO
abril 15, 2011
22. Origem dos idiomas?
No final da semana, boa parte das notícias científicas da mídia são uma divulgação das novidades em duas das principais revistas americanas da área, a Science e a Nature. Hoje, um artigo interessante da Science, em sua vulgata feita pela Folha.
Comentários após o fim da reportagem.
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15/04/2011 - 11h01
A ideia está sendo defendida em um novo estudo, que analisou mais de 500 línguas de todas as partes do mundo em busca do caminho que a ªinvençãoº da linguagem teria seguido planeta afora.
Segundo o trabalho, publicado nesta semana na revista americana "Science", a variedade de fonemas ±a menor unidade sonora, que permite a diferenciação entre as palavras± altera-se conforme a localização geográfica.
A maior quantidade de fonemas se concentra no seria o "marco zero" das línguas, o centro-sul da África.
Conforme os idiomas vão se afastando dessa aparente fonte comum, eles vão ficando empobrecidos em fonemas ±com menos tipos de vogais, consoantes e tons (variantes "musicais" das sílabas, comuns em línguas como o chinês, por exemplo).
COISA VIVA
O autor da pesquisa, Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), aparentemente está construindo a carreira com base na ideia de que línguas podem funcionar de forma idêntica a coisas vivas.
Na década passada, ele usou métodos normalmente utilizados para estudar o parentesco evolutivo entre seres vivos para propor uma data para a origem das línguas indo-europeias -- basicamente quase todas as línguas da Europa mais as de regiões como Índia, Paquistão e Irã.
Nesse estudo, ele estimou que esse tronco de línguas "brotou" pela primeira vez há 9.000 anos. Isso poderia ligá-las à expansão de agricultores da atual Turquia rumo à Europa, substituindo os antigos habitantes da região.
"É muito interessante, entre outras coisas porque muitos linguistas históricos aqui no Brasil, que estudam línguas indígenas, ainda não aplicam essas ideias à expansão de povos no passado", diz o geneticista Fabrício Rodrigues dos Santos, da UFMG.
Segundo Atkinson, uma coisa já sabida é que, quanto maior a população que fala uma língua, maior o número de fonemas de dita cuja.
Mas isso não significa que o chinês seja automaticamente a língua mais rica em fonemas do planeta. Faz muita diferença também o tempo que uma população grande fala certo idioma ±e nesse quesito a África parece ser imbatível, já que seres humanos modernos habitam o continente há bem mais tempo.
O padrão, além do mais, bate com o da genética -- os africanos também são geneticamente mais diversificados que o resto da humanidade.
"E, de fato, eles possuem fonemas como os que envolvem cliques [estalos], aparentemente únicos", diz Santos.
Atkinson usa os dados para propor um único "eureca" linguístico há uns 70 mil anos na África, que teria, inclusive, uma associação com os primeiros indícios de arte e adornos corporais, também datados dessa época.
Segundo essa visão, a linguagem complexa teria sido uma das ferramentas centrais para que a humanidade moderna avançassem pelos continentes e acabasse suplantando, de algum modo, hominídeos como os neandertais da atual Europa.
________________________________________________________________________
A pesquisa de Atkinson está longe de ser definitiva, e os críticos já estão questionando a validade de estudos linguísticos que tentem retroceder tanto no tempo - em geral, pesquisas na área não passam dos últimos 10 mil anos. Pelos próximos anos os especialistas vão se posicionar, soltar críticas e contracríticas, e depois de algum tempo, quando o assunto já tiver sido esquecido pelo resto do mundo, talvez cheguem a um consenso.
Até lá, provavelmente os únicos pontos de que ninguém discorda são:
a) nosso último ancestral em comum com os chimpanzés e bonobos, que viveu há 5-7 milhões de anos, não falava, e
b) há 40 ou 50 mil anos atrás, quando temos evidências incontestáveis de comportamento simbólico humano (arte rupestre, por exemplo), é praticamente certo que os humanos falassem.
A data correta então está em algum ponto entre as datas A e B, a menos que, como é perfeitamente possível, a linguagem não tenha surgido de um lampejo súbito de criatividade, mas de um processo gradual em que cada espécie tinha capacidade de comunicação mais complexa que a anterior, e o ponto em que podemos dizer que havia linguagem torna-se mais uma disputa em torno de definições do que é linguagem do que a procura por uma data-chave.
(Usei o termo "espécie" bem despreocupadamente, quando na verdade ele é uma dor de cabeça para os biólogos e paleontólogos. Resumindo, eis o problema: uma espécie é, em termos gerais, o conjunto de seres capazes de cruzar e ter descendentes férteis. Para os seres que estão vivos no mesmo momento, é fácil dizer quem pertence a qual espécie. A dificuldade é quando adicionamos o fator tempo. Pegando um exemplo de Dawkins, se tivéssemos uma máquina do tempo e voltássemos para mil anos atrás, uma pessoa do ano 2011 poderia ter filhos com uma do ano 1011. Se colocássemos uma pessoa do ano 1011 na máquina e a deixássemos mil anos antes disso, no ano 11, ela também poderia ter filhos com as pessoas de então. Uma pessoa do ano 11 também poderia ter filhos com as pessoas que viveram mil anos antes dela, e assim vai.
O mesmo valeria não importa quantas vezes voltássemos no tempo: mil anos são um prazo pequeno o suficiente para garantir que não haveria grandes mudanças genéticas e as pessoas separadas por esse período continuariam sempre sendo "da mesma espécie". Mas, à medida que, de milênio em milênio, voltamos 50, 100, 500 mil anos, mesmo que cada grupo humano que encontremos seja parecido com os de mil anos antes e depois, chegaria um ponto em que eles seriam diferentes o suficiente de nós para que nós e eles não pudéssemos nos reproduzir. Espécies diferentes, portanto, apesar de ser um processo gradual: não existe um determinado ponto em que um casal de Homo erectus tem um filho Homo sapiens. Naturalmente, o outro problema é que não temos essa máquina do tempo e, a cada novo fóssil, precisamos debater a que distância ele se encontra do resto da nossa árvore.)
Enfim, os debates continuam. Resta esperar e ver...
Comentários após o fim da reportagem.
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15/04/2011 - 11h01
Linguagem humana tem origem na África, afirma pesquisa
REINALDO JOSÉ LOPES
GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
O continente africano, além de berço da espécie humana, também teria sido o local em que um idioma de verdade, com gramática e vocabulário complexos, foi falado pela primeira vez na história. GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
A ideia está sendo defendida em um novo estudo, que analisou mais de 500 línguas de todas as partes do mundo em busca do caminho que a ªinvençãoº da linguagem teria seguido planeta afora.
Segundo o trabalho, publicado nesta semana na revista americana "Science", a variedade de fonemas ±a menor unidade sonora, que permite a diferenciação entre as palavras± altera-se conforme a localização geográfica.
A maior quantidade de fonemas se concentra no seria o "marco zero" das línguas, o centro-sul da África.
Conforme os idiomas vão se afastando dessa aparente fonte comum, eles vão ficando empobrecidos em fonemas ±com menos tipos de vogais, consoantes e tons (variantes "musicais" das sílabas, comuns em línguas como o chinês, por exemplo).
Editoria de Arte/Folhapress | ||
O autor da pesquisa, Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), aparentemente está construindo a carreira com base na ideia de que línguas podem funcionar de forma idêntica a coisas vivas.
Na década passada, ele usou métodos normalmente utilizados para estudar o parentesco evolutivo entre seres vivos para propor uma data para a origem das línguas indo-europeias -- basicamente quase todas as línguas da Europa mais as de regiões como Índia, Paquistão e Irã.
Nesse estudo, ele estimou que esse tronco de línguas "brotou" pela primeira vez há 9.000 anos. Isso poderia ligá-las à expansão de agricultores da atual Turquia rumo à Europa, substituindo os antigos habitantes da região.
"É muito interessante, entre outras coisas porque muitos linguistas históricos aqui no Brasil, que estudam línguas indígenas, ainda não aplicam essas ideias à expansão de povos no passado", diz o geneticista Fabrício Rodrigues dos Santos, da UFMG.
Segundo Atkinson, uma coisa já sabida é que, quanto maior a população que fala uma língua, maior o número de fonemas de dita cuja.
Mas isso não significa que o chinês seja automaticamente a língua mais rica em fonemas do planeta. Faz muita diferença também o tempo que uma população grande fala certo idioma ±e nesse quesito a África parece ser imbatível, já que seres humanos modernos habitam o continente há bem mais tempo.
O padrão, além do mais, bate com o da genética -- os africanos também são geneticamente mais diversificados que o resto da humanidade.
"E, de fato, eles possuem fonemas como os que envolvem cliques [estalos], aparentemente únicos", diz Santos.
Atkinson usa os dados para propor um único "eureca" linguístico há uns 70 mil anos na África, que teria, inclusive, uma associação com os primeiros indícios de arte e adornos corporais, também datados dessa época.
Segundo essa visão, a linguagem complexa teria sido uma das ferramentas centrais para que a humanidade moderna avançassem pelos continentes e acabasse suplantando, de algum modo, hominídeos como os neandertais da atual Europa.
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A pesquisa de Atkinson está longe de ser definitiva, e os críticos já estão questionando a validade de estudos linguísticos que tentem retroceder tanto no tempo - em geral, pesquisas na área não passam dos últimos 10 mil anos. Pelos próximos anos os especialistas vão se posicionar, soltar críticas e contracríticas, e depois de algum tempo, quando o assunto já tiver sido esquecido pelo resto do mundo, talvez cheguem a um consenso.
Até lá, provavelmente os únicos pontos de que ninguém discorda são:
a) nosso último ancestral em comum com os chimpanzés e bonobos, que viveu há 5-7 milhões de anos, não falava, e
b) há 40 ou 50 mil anos atrás, quando temos evidências incontestáveis de comportamento simbólico humano (arte rupestre, por exemplo), é praticamente certo que os humanos falassem.
A data correta então está em algum ponto entre as datas A e B, a menos que, como é perfeitamente possível, a linguagem não tenha surgido de um lampejo súbito de criatividade, mas de um processo gradual em que cada espécie tinha capacidade de comunicação mais complexa que a anterior, e o ponto em que podemos dizer que havia linguagem torna-se mais uma disputa em torno de definições do que é linguagem do que a procura por uma data-chave.
(Usei o termo "espécie" bem despreocupadamente, quando na verdade ele é uma dor de cabeça para os biólogos e paleontólogos. Resumindo, eis o problema: uma espécie é, em termos gerais, o conjunto de seres capazes de cruzar e ter descendentes férteis. Para os seres que estão vivos no mesmo momento, é fácil dizer quem pertence a qual espécie. A dificuldade é quando adicionamos o fator tempo. Pegando um exemplo de Dawkins, se tivéssemos uma máquina do tempo e voltássemos para mil anos atrás, uma pessoa do ano 2011 poderia ter filhos com uma do ano 1011. Se colocássemos uma pessoa do ano 1011 na máquina e a deixássemos mil anos antes disso, no ano 11, ela também poderia ter filhos com as pessoas de então. Uma pessoa do ano 11 também poderia ter filhos com as pessoas que viveram mil anos antes dela, e assim vai.
O mesmo valeria não importa quantas vezes voltássemos no tempo: mil anos são um prazo pequeno o suficiente para garantir que não haveria grandes mudanças genéticas e as pessoas separadas por esse período continuariam sempre sendo "da mesma espécie". Mas, à medida que, de milênio em milênio, voltamos 50, 100, 500 mil anos, mesmo que cada grupo humano que encontremos seja parecido com os de mil anos antes e depois, chegaria um ponto em que eles seriam diferentes o suficiente de nós para que nós e eles não pudéssemos nos reproduzir. Espécies diferentes, portanto, apesar de ser um processo gradual: não existe um determinado ponto em que um casal de Homo erectus tem um filho Homo sapiens. Naturalmente, o outro problema é que não temos essa máquina do tempo e, a cada novo fóssil, precisamos debater a que distância ele se encontra do resto da nossa árvore.)
Enfim, os debates continuam. Resta esperar e ver...
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