outubro 26, 2011

44. Às vezes, um relógio parado...

... marca a hora certa. E de vez em quando nossos legisladores fazem a coisa certa:

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Senado rejeita sigilo de documentos por prazo indefinido

Após meses de polêmica em torno da possibilidade de sigilo por tempo indefinido para documentos oficiais, o Senado aprovou nesta terça-feira (25) o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 41/10, conhecido como Lei de Acesso às Informações Públicas. A proposta foi aprovada com a alteração feita pelos deputados para restringir o número de prorrogações permitidas do sigilo. De acordo com o texto, que segue para sanção presidencial, o sigilo poderá durar, no máximo, 50 anos.
Originalmente, o texto, enviado ao Congresso pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, previa a possibilidade de sucessivas prorrogações do prazo de 25 anos de sigilo dos documentos classificados como ultrassecretos.Na Câmara, os deputados alteraram o projeto para que o prazo só pudesse ser prorrogado uma vez.
No Senado, o senador Fernando Collor (PTB-AL) apresentou Substitutivo que recuperava a proposta original do Executivo, ao estabelecer exceções, com possibilidade de prorrogações ilimitadas, em casos de documentos ultrassecretos ou cujo sigilo fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. O substitutivo foi rejeitado nesta terça.
Ao defender sua proposta, Collor negou que o texto tivesse a intenção de permitir o sigilo de documentos por prazo indefinido, o que foi alvo de crítica de alguns senadores.
- Em nenhum texto do nosso substitutivo vão encontrar o termo sigilo eterno. Encontrarão, sim, o que a gente encontra em toda legislação da União Europeia, dos Estados Unidos, de qualquer país, de salvaguardar os interesses dos estados nacionais, no caso, do Estado brasileiro - argumentou Collor, antes da rejeição do seu substitutivo.  

Objeção ao substitutivo 
Collor foi relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE). Com a aprovação do pedido de urgência para a votação da matéria, seu relatório seguiu para o Plenário, após o projeto ter tramitado nas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT). Os relatores do projeto nessas comissões, os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Humberto Costa (PT-PE) e Walter Pinheiro (PT-BA), respectivamente, manifestaram-se contra o substitutivo.
Apesar de elogiar o trabalho que levou ao substitutivo, Demóstenes Torres disse considerar que o país poderia ousar mais e ressaltou que, caso se prove mais tarde a necessidade de prorrogação indefinida, será possível aprovar uma "legislação de emergência" para fazer os reparos necessários. Walter Pinheiro, por sua vez, previu que, em 50 anos, com a velocidade no processamento das informações, o prazo de sigilo já terá sido novamente reduzido por lei.
Humberto Costa, também líder do PT no Senado, disse preferir a definição de um limite ao sigilo para documentos públicos. Como a presidente Dilma Rousseff declarou apoiar o fim das prorrogações ilimitadas, a bancada do governo foi liberada para decidir em que versão do projeto votar.
- A proposta restabelecida, com todo o respeito pelo presidente Collor, representa um retrocesso em relação ao que veio da Câmara. Não há como produzir qualquer tipo de embaraço ao país depois de 50 anos, contado a partir da aprovação dessa legislação - disse.

Prazos 
O PLC 41/10 estabelece que os documentos classificados como ultrassecretos terão o prazo atual de sigilo reduzido de 30 para 25 anos, com a possibilidade de uma única prorrogação. A contagem começa na data em que os documentos são produzidos. Os documentos classificados como secretos terão prazo de 15 anos de sigilo, e os reservados terão prazo de 5 anos. O texto não prevê a classificação confidencial existente na legislação em vigor, o que, segundo Collor, poderá gerar problemas.
- A eliminação do grau de sigilo confidencial provocaria grande confusão relacionada à reclassificação dos documentos já existentes. Ora, a maioria dos documentos classificados o é como confidencial. Sob uma perspectiva prática, teríamos um verdadeiro caos instalado para o tratamento dos atuais documentos confidenciais - advertiu o senador.
De acordo com o projeto, qualquer pessoa interessada poderá apresentar pedido de acesso a informações detidas pelo Poder Público, bastando que, para isso, se identifique e especifique a informação requerida. O órgão responsável deverá conceder o acesso imediato à informação disponível ou informar a data em que isso poderá ocorrer. Caso o acesso não seja possível, deverão ser indicadas as razões da recusa. Se o motivo for o caráter sigiloso da informação, caberá recurso à autoridade competente, que terá cinco dias para se manifestar.
O serviço de busca e fornecimento da informação será gratuito e as transgressões cometidas por agentes públicos no fornecimento de informações poderão ser punidas de acordo com o que estabelece a Lei 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade, e a Lei 8.429/92, que trata da improbidade administrativa.

Estados e municípios
As normas estabelecidas pela lei em que o projeto for transformado deverão ser observadas pela União, estados, Distrito Federal e municípios. Em relação à esfera federal, o cidadão poderá recorrer da decisão ao ministro de Estado da área específica. Será permitido ainda um último recurso perante a Comissão Mista de Reavaliação de Informações, criada pelo projeto, que terá prazo de cinco dias para se manifestar sobre o assunto. Pode-se, também, pedir a essa comissão que uma informação deixe de ser classificada como secreta ou ultrassecreta.
A comissão funcionará na Casa Civil da Presidência da República e será composta por ministros de Estado e integrantes indicados pelos Poderes Legislativo e Judiciário, que terão mandato de dois anos. Além de poder ser acionada por pessoas interessadas, essa comissão deverá rever, a cada quatro anos, a classificação de informações secretas ou ultrassecretas guardadas pelo Poder Público. Caso esse prazo deixe de ser cumprido, o documento deixará de ser considerado sigiloso automaticamente.

Presidente e vice
De acordo com o projeto, as informações que puderem colocar em risco a segurança do presidente e do vice-presidente da República, de seus cônjuges e filhos, serão classificadas como reservadas. Tais informações deverão ficar sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.
A proposição trata ainda das informações pessoais, estabelecendo que o tratamento a essas questões deverá ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais. Essas informações terão acesso restrito, independentemente da classificação de sigilo, pelo prazo de cem anos, a contar da data de sua produção. Quem tiver acesso a tais informações será responsabilizado por seu uso indevido.
O projeto fixa prazo de 60 dias, a contar da vigência da lei em que for transformado, para que os dirigentes de órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta possam assegurar o cumprimento das novas normas. Estabelece ainda que o Executivo deverá regulamentar a lei em que o projeto for transformado no prazo de 180 dias, a contar da data de sua publicação.
Isabela Vilar e Helena Daltro Pontual / Agência Senado

outubro 15, 2011

43. Arte paleolítica

 Um artigo interessante e bem ilustrado da Folha de ontem. Algumas notas no final:

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Arqueólogos acham mais antigo ateliê do mundo na África do Sul

RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO

O mais antigo ateliê de pintura da Terra foi achado em uma caverna sul-africana. Os pintores de 100 mil anos atrás eram fãs de uma tinta ocre, com tons que variam entre vermelho, marrom e amarelo, armazenada em "paletas" feitas de conchas marinhas.
Os artistas primitivos usavam pigmentos de origem mineral e davam predileção a cores que, segundo as especulações dos pesquisadores, lembravam a vida cotidiana, seja pelo sangue das caçadas, seja pela fertilidade, ligada à menstruação no imaginário dos povos antigos.


Magnus Haaland/Associated Press
Vista do mar a partir do interior da caverna de Blombos
Vista do mar a partir do interior da caverna de Blombos

SEM FASE AZUL
Teriam entendido plenamente o "período rosa" de pinturas do espanhol Pablo Picasso (1881-1973), que durou de 1904 a 1906; não entenderiam, nem teriam como imitar, a "fase azul" anterior, por falta de pigmentos -ou talvez de interesse. Os pesquisadores associam a descoberta do antigo ateliê à própria evolução do pensamento humano.
Pintamos, logo pensamos. O ocre está disponível em óxidos de ferro, no solo, e pode servir tanto para pinturas murais quanto corporais. A "tinta" seria até um primitivo protetor solar para a pele.
"A capacidade conceitual de amostrar, combinar e armazenar substâncias que aperfeiçoam a tecnologia ou as práticas sociais representa um marco na evolução da cognição humana complexa", escreveram os pesquisadores na edição de hoje da revista americana "Science". A equipe, liderada por Christopher Henshilwood (professor da Universidade de Bergen, Noruega, e da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul) encontrou o "ateliê" na caverna de Blombos, 300 km a leste da Cidade do Cabo. Francesco d'Errico, da Universidade de Bordeaux, na França, coordenou a datação do material encontrado por lá.
O ocre, as ferramentas de pedra para sua produção e as conchas foram achados já em 2008, mas desde então a equipe trabalhou para se certificar das datas.
A análise do interior das conchas, onde a "tinta" ocre era misturada, revelou traços do que poderia ser a ação de dedos humanos durante o processo de preparar o produto para o uso.
Os pesquisadores identificaram dois "kits de ferramentas" usados para a produção da tinta. Pela ausência de outros tipos de detritos comuns em cavernas habitadas por seres humanos nessa camada, como restos de animais, eles especulam que um grupo de pessoas esteve ali "por um dia ou dois, no máximo", diz Henshilwood.
A caverna, cuja habitação começou há 140 mil anos, tem se revelado um grande tesouro de achados ligados à evolução cultural humana.



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Talvez o leitor esteja pensando que a descoberta é interessante, mas sem saber muito bem o que a torna importante. A importância dessa caverna sul-africana está no fato de ela dar mais um golpe no modelo vigente da evolução humana recente - o da "revolução do paleolítico superior".

Explicando: segundo esse modelo, o ser humano anatomicamente moderno, fisicamente indistinguível de nós, surgiu na África há cerca de 200 mil anos atrás. Porém, até recentemente, não se conheciam evidências de comportamento culturalmente moderno - linguagem, pensamento simbólico, arte, qualquer dessas coisas que mostrasse uma capacidade de pensamento comparável à nossa - até aproximadamente 40 mil anos atrás, data das mais antigas estatuetas e arte rupestre europeias (como o gráfico do artigo mostra).
Então, diz o modelo, num primeiro momento surgiram seres humanos anatomicamente modernos, mas só muito mais tarde aconteceu alguma coisa que expandiu drasticamente sua capacidade mental - uma mutação que possibilitasse a linguagem, ou algo semelhante. Como o período iniciado há 40 mil anos é classificado como "paleolítico superior", essa súbita explosão criativa seria a revolução do paleolítico superior.
O pequeno problema - quase sempre existe um - é que, como a arqueologia se desenvolveu como ciência na Europa, é ali que haviam sido feitas a maior parte das buscas e escavações, enquanto o resto do mundo engatinhava nesse sentido até recentemente. Assim, era mais provável que se descobrissem sinais de comportamento moderno na Europa, que estava sendo escavada de um lado a outro, que em qualquer outro lugar, independentemente de onde esse comportamento realmente surgiu.
Nos últimos anos, as pesquisas na África tem mostrado que a arte é muitos milênios mais antiga do que se pensava. Tudo indica que a teoria de um desenvolvimento mental súbito vai por água abaixo, substituído por avanços graduais de longa antiguidade. Mas vão ser precisos vários novos achados como o de Blombos e muita discussão entre os arqueólogos para que se chegue a um novo consenso...