junho 13, 2011

33. Até da Guerra do Paraguai?

Minha definição preferida de censor: alguém que acha que sabe mais do que você deveria.

E quando nossos ex-presidentes se unem a favor do sigilo eterno de documentos públicos, alguém acredita que eles estão bem intencionados? Alguém acha boa ideia o governo poder esconder seus atos para sempre, especialmente um governo que cede a pressões tão descaradamente interesseiras?


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 Sarney defende sigilo eterno de documentos para não ‘abrir feridas’

 Eduardo Bresciani, do estadão.com.br
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), defendeu nesta segunda-feira a manutenção do sigilo eterno sobre documentos considerados ultrassecretos. Em entrevista ao Estado, a nova ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, afirmou que o governo vai defender o sigilo eterno para atender ao desejo de ex-presidentes, como Sarney e Fernando Collor (PTB-AL), hoje senadores e integrantes da base aliada.
Na visão de Sarney, a abertura de documentos históricos pode “abrir feridas” do passado. “Os documentos históricos que fazem parte da nossa história diplomática, do Brasil, e que tenham articulações, como o Rio Branco teve que fazer muitas vezes, não podemos revelar esses documentos, senão vamos abrir feridas”.
Ele afirmou que é preciso manter o segredo para “preservar” o Brasil.
“Eu tenho muita preocupação que hoje nós tenhamos a oportunidade de abrir questões históricas que devem ser encerradas para frente no interesse nacional. Nós devemos olhar o Brasil. Ultimamente, todos nós nos acostumamos a bater um pouco no nosso país. Vamos amar o nosso país e preservar o que ele tem”.
Sarney nega, porém, que sua defesa do sigilo eterno tenha como objetivo ocultar ações suas quando presidiu o país. Ele afirmou que é preciso divulgar tudo que for relativo ao “passado recente”. “Sou um homem que nada tenho a esconder”.
Segundo a ministra de Relações Institucionais, o governo vai apoiar alterações no texto que tramita no Senado sobre a lei de acesso a informações. A proposta aprovada na Câmara prevê um limite de 50 anos para a manutenção do sigilo de documentos ultrassecretos. Ideli afirma que a intenção do governo é retornar ao projeto original enviado ainda pelo presidente Lula, no qual não havia limite para a renovação do prazo de sigilo dos documentos.


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Dilma cede a pressões e agora quer manter sigilo eterno de documentos

Ideli Salvatti disse ao ‘Estado’ que governo vai atender a reivindicações dos senadores e ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor para facilitar tramitação do projeto no Senado

A presidente Dilma Rousseff vai patrocinar no Senado uma mudança no projeto que trata do acesso a informações públicas para manter a possibilidade de sigilo eterno para documentos oficiais. Segundo a nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, o governo vai se posicionar assim para atender a uma reivindicação dos ex-presidentes Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP), integrantes da base governista.
A discussão sobre documentos sigilosos tem como base um projeto enviado ao Congresso pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009. No ano passado, a Câmara aprovou o texto com uma mudança substancial: limitava a uma única vez a possibilidade de renovação do prazo de sigilo. Com isso, documentos classificados como ultrassecretos seriam divulgados em no máximo 50 anos. É essa limitação que se pretende derrubar agora.
"O que gera reações é uma emenda que foi incluída pela Câmara. Vamos recompor o projeto original porque nele não há nenhum ruído, nenhuma reação negativa", disse Ideli ao Estado.
Acatar a mudança defendida pelos ex-presidentes é a forma encontrada para resolver o tema, debatido com frequência no Senado desde o início do ano. O governo cogitou fazer um evento para marcar o fim do sigilo eterno - Dilma sancionaria a lei em 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Temerário

O desfecho não foi assim por resistência de Collor. Presidente da Comissão de Relações Exteriores, ele decidiu relatar a proposta e não deu encaminhamento ao tema. No dia 3 de maio, o ex-presidente foi ao plenário e mandou seu recado ao Planalto ao classificar de "temerário" aprovar o texto como estava. "Seria a inversão do processo de construção democrática."
Desde então, a votação vem sendo adiada repetidas vezes. Na semana passada, Dilma almoçou com a bancada do PTB no Senado. Na ocasião, Collor teria manifestado sua preocupação sobre o tema e exposto argumentos contrários ao fim do sigilo.
O senador Walter Pinheiro (PT-BA), que relatou o projeto na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação e é contra o sigilo eterno, vai procurar Ideli nesta semana para tratar do tema. "Estamos propondo acesso a informação de fatos históricos. Você vai abrir comissão da verdade para discutir o período da ditadura e não pode ter acesso às verdades históricas no Brasil?"
Atualmente, documentos classificados como ultrassecretos têm sigilo de 30 anos, mas esse prazo pode ser renovado por tempo indeterminado, o que ocorreu nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso.
Documentos da Guerra do Paraguai, terminada há 141 anos, continuam secretos até hoje. Se a nova lei for aprovada da forma como deseja agora Dilma, a única diferença é que a renovação do sigilo se daria a cada 25 anos.

junho 12, 2011

32. Links novos

Na coluna da esquerda, links para dois blogs interessantes. O diferencial em relação aos anteriores é que estes não estão em português - para sair do atraso cultural, é mais prático ver o que está acontecendo em regiões mais desenvolvidas e tomar o avanço deles como base para o nosso próprio do que partir do zero e tentar reinventar a roda. Se bem que nem tentamos reinventar a roda nem vemos como ela poderia ser proveitosa, atrasados que estamos!

Primeiro, o http://www.languagehat.com/, em inglês, trata de um assunto que volta e meia é mencionado aqui: a questão dos idiomas. O autor tem uma paixão pelo russo e literatura russa, mas o blog não se restringe a isso. Transformações linguísticas, política e idiomas, migrações, contatos culturais, de tudo um pouco.

Segundo, o http://blogs.histoireglobale.com/, que descobri recentemente (a blogosfera francófona não é um ambiente que frequento muito), mas traz textos bons sobre história global - não simplesmente trazendo a história de regiões diversas, mas mostrando as conexões entre elas.

Bom proveito!

junho 11, 2011

31. Kung Fu Shaolin - Tudo que você sempre quis saber a respeito e tinha medo de perguntar

Não é curioso que um blog chamado Gabinete de leitura tenha poucas sugestões de leitura? Hora de corrigir isso!
A dica de hoje é um artigo chamado Budismo, marcialidade e legitimação da violência: O Kung Fu e as disputas historiográficas sobre o mosteiro de Shaolin. Para quem está na dúvida (o texto tem 18 páginas), aqui vai o resumo:

O ensaio reúne as contribuições da historiografia recente para a compreensão das
relações entre Budismo, marcialidade e ascese na tradição marcial do Mosteiro
de Shaolin, tradicional centro de cultivo de artes marciais e um dos berços
da espiritualidade Chan, localizado no Norte da China. Para responder às interrogações
centrais sobre a relação entre a marcialidade, a violência e a cultura
chinesa, recorreu-se à literatura de época, à filmografia que abordou o tema e a
entrevistas com mestres e praticantes de kung fu.


O artigo vale a pena por tratar de alguns temas bastante interessantes: kung fu (um termo genérico ocidental para as artes marciais chinesas), Shaolin (um mosteiro no interior da China cujos monges desenvolveram uma tradição marcial) e como algumas correntes do budismo, uma religião teoricamente pacifista, incorporaram esse elemento de violência. O processo é um pouco parecido com o que aconteceu no cristianismo: racionalizaram a contradição dizendo que para defender a fé a violência era permitida.

Dê uma chance ao texto. André Bueno (o blog dele, Orientalismo, pode ser acessado do link à esquerda) escreveu uma vez que daria para fazer um congresso de sinólogos brasileiros dentro de uma kombi. Acho que ele não estava brincando, e que na kombi ainda caberiam a plateia e o motorista. Para começar a mudar isso, o mínimo que o resto de nós pode fazer é ler o que esse pessoal produz e ver que a China tem uma história que merece mais atenção do que vem recebendo aqui na periferia cultural.

junho 03, 2011

30. Jefferson e o espírito de resistência

Olhando por acaso as cartas de Thomas Jefferson*, encontrei uma passagem que tem um pouco em comum com o post anterior.

Trata-se do trecho de uma carta escrita em fevereiro de 1787 para Abigail Adams (esposa de John Adams, primeiro vice-presidente e segundo presidente dos EUA), em que Jefferson faz um comentário sobre o fim da revolta de Shays, um movimento de pequenos fazendeiros de Massachusetts descontentes com a situação da jovem república pós-independência**:

Espero que eles tenham sido perdoados. O espírito de resistência ao governo é tão valioso em certas ocasiões que espero que seja sempre mantido vivo. Ele será muitas vezes exercido erroneamente, mas é melhor isso do que ele não ser exercido. Gosto de uma pequena revolta de vez em quando. É como uma tempestade na atmosfera.

O texto original pode ser encontrado neste link. Uma tempestade na atmosfera...


* Thomas Jefferson: advogado/dono de terras/político da Virgínia, principal autor da Declaração de Independência dos Estados Unidos, terceiro presidente americano, de 1800 a 1807.
** Apesar de raramente se ouvir falar dessa revolta por aqui, e de sua pequena escala, ela gerou um clamor em favor de um governo central mais forte que pudesse impedir esse tipo de movimento. A Constituição americana, no mesmo ano, criou justamente um governo central assim. A revolta de Shays não foi a única causa do fortalecimento do governo federal, mas foi uma causa. O nome da revolta vem de seu líder Daniel Shays, veterano da guerra de independência.