julho 12, 2012

74. Caos no Mali

Se os transtornos que abalam o Mali nos últimos tempos estivessem ocorrendo em outra região do mundo que não a África, certamente nossa mídia estaria prestando atenção constante. Mas como os malineses são africanos, ganham apenas algumas notícias esporádicas.



O Mali, ex-colônia francesa com território duas vezes maior que o da ex-metrópole, tinha até recentemente um regime democrático bem estabelecido, apesar de ser um país pobre. Por "recentemente", entenda-se março, quando um golpe militar derrubou o presidente Amadou Touré. Para os militares, Touré não estava lidando de forma competente com o separatismo na região norte do país.



A imagem de satélite acima mostra a divisão geográfica do Mali: o sul mais fértil, por onde passa o rio Níger e onde se encontra a maior parte da população, e o norte desértico, parte do Saara. No norte predominam os tuaregues, etnia cuja atividade principal é o pastoreio, e que não estão restritos ao Mali, vivendo em zonas também desérticas dos países vizinhos.
Os tuaregues estão reivindicando há tempos seu próprio país, já tendo se revoltado nas décadas de 60 e 90. O que tornou sua atividade recente mais intensa? A queda do governante da Líbia, Muamar Kadafi. Com a morte de Kadafi em outubro de 2011, muitos tuaregues que formavam parte de seu exército voltaram para o Mali com armamentos pesados.



Até aqui, temos: guerra civil na Líbia > morte de Kadafi > tuaregues que serviam no exército líbio regressam ao Mali > aumento do separatismo entre os tuaregues do norte do Mali > militares depõem o presidente por não conseguir lidar com a crise.
Ironicamente, a ação dos militares serviu para precipitar a situação que queriam evitar. Enquanto militares e civis disputavam o poder na capital Bamako, os rebeldes ao norte tomaram diversas cidades. O principal grupo separatista, o MNLA (Movimento Nacional pela Libertação do Azawad), declarou independência em 6 de abril. Até o momento, o Azawad (como os tuaregues chamam sua região e o novo país) não foi reconhecido por nenhum país.

Isso poderia parecer meramente um reajuste das fronteiras africanas, tão frágeis por serem completamente arbitrárias. Como se sabe, os países do continente são quase todos derivados das colônias europeias estabelecidas no final do século 19, sem nenhuma consideração pela realidade geográfica, étnica ou política local, e isso contribuiu para tornar esses países altamente instáveis. Mas há outro elemento no caldeirão de caos malinês: o Islã militante.

O MNLA, formado por muçulmanos com tendências seculares, era o principal grupo separatista, mas não o único. O segundo grupo em importância é o Ansar Dine, muçulmanos radicais que pretendiam formar um Estado islâmico no Azawad e, diz-se, vinculados à Al-Qaida. O MNLA e o Ansar Dine aliaram-se por algum tempo, mas agora estão se enfrentando, e os radicais levam vantagem. Em particular, tomaram a cidade histórica de Timbuctu, que o MNLA pretendia tornar a capital do novo país.

Timbuctu, fundada no século 12, foi por muito tempo um centro comercial por onde passavam as caravanas trans-saarianas e um centro intelectual de difusão do Islã pela África ocidental. Um dos monumentos a seus dias de glória é a mesquisa de Djinguereber, construída no século 14, que além de servir como templo abrigava um importante madraçal (simplificando um pouco, uma faculdade/escola religiosa islâmica).


Os membros do Ansar Dine querem agora conformar Timbuctu aos seus próprios padrões de como deveria ser o Islã, mesmo que isso signifique arruinar monumentos. Nos últimos dias, entraram em Djinguereber e destruíram várias tumbas de santos sufistas enterrados ali.

O leitor talvez pergunte: eles não são muçulmanos? Por que estão destruindo monumentos muçulmanos? E o que são santos sufistas?
A resposta às duas primeiras perguntas é bem simples: o Islã é um pouco parecido com o cristianismo na sua capacidade de gerar divisões que fazem pouco sentido para quem está de fora, mas são importantíssimas para os membros de grupos rivais. O Ansar Dine, ao que parece, segue a vertente salafista, defensora do retorno às origens islâmicas e que poderíamos chamar de puritanos ou fundamentalistas. Portanto, do seu ponto de vista, eles não estão destruindo monumentos: estão purificando um santuário.
Já o sufismo é a corrente mística do Islã, tomando a palavra "místico" em seu sentido original: a busca por contato direto e pessoal com a divindade. Apesar de serem considerados pouco ortodoxos por boa parte dos demais muçulmanos, eles se mantêm até hoje. E, ao longo do tempo, alguns dos principais líderes sufistas se tornaram quase objetos de culto, com peregrinações anuais a seus túmulos, aproximando-se um pouco dos santos católicos. A reverência aos "santos" e as peregrinações são, desnecessário dizer, exatamente o que o Ansar Dine espera parar com suas depredações.

Em suma, eis a situação atual do Mali, dividido entre um governo fraco ao sul, dois grupos separatistas ao norte, um conflito com potencial para se alastrar pelos países vizinhos com minorias tuaregues, e, além de tudo, tentativas de destruir o passado e a religiosidade popular de seus habitantes. Pelo jeito, o século 21 ainda não vai ser o século da África.

julho 10, 2012

73. Mestrado, 99% concluído

Sobrevivi ao momento mais difícil do mestrado - a banca de defesa. Em poucas palavras, é o momento de o mestrando apresentar publicamente sua pesquisa e, logo em seguida, usar todo o kung fu acadêmico de que dispõe para sobreviver às rajadas de críticas de uma banca de três doutores.
Não foi exatamente agradável, mas dificilmente os ritos de passagem o são!

O 1% restante? Preciso fazer modificações sugeridas pelos membros da banca ao texto da dissertação e entregar a versão final. Comparado ao que veio até agora, realmente não passa de um por cento do trabalho total.

Um grande obrigado para todos os que apareceram e ficaram na torcida - espero ter correspondido às suas expectativas!




julho 01, 2012

72. Coliseu de Lego

Uma iniciativa original: para ajudar a atrair público para o museu da Universidade de Sydney, foi construído um Coliseu de Lego com mais de 200 mil peças e um metro de altura. Nossos museus, com acervos muitas vezes interessantes mas sofrendo de pouca divulgação, poderiam se inspirar...

Aqui, o link para a história original: http://www.smh.com.au/entertainment/art-and-design/i-came-i-saw-i-constructed-20120628-213dy.html. Mesmo para quem não lê inglês, as fotos merecem ser vistas.