Caros alunos,
Na próxima aula, 05/06, vamos trabalhar com tradições historiográficas não-ocidentais: como outros povos concebiam a história? Obviamente, uma aula não é suficiente para esgotar o assunto, então vamos fazer uma introdução a duas das principais tradições, a islâmica e a chinesa.
Duas tradições, dois textos para ler. Para a historiografia islâmica, leiam este texto sobre Ibn Khaldun, importante historiador do século 14, que mostra como os muçulmanos faziam história em seu momento de maior esplendor intelectual. E para a chinesa, este artigo traz um panorama geral de seu desenvolvimento e traços característicos. Em aula vamos discutir melhor a relação entre a produção histórica de muçulmanos e chineses e suas trajetórias históricas próprias, mas os textos indicados oferecem contextualização suficiente para esclarecer ao menos alguns dos pontos principais.
Para quem não sabe, temos uma avaliação a ser entregue no dia 19/06 - uma resenha do livro Apologia à história, de Marc Bloch (está no xerox). Será equivalente à segunda prova - as duas anteriores, avaliadas pelo prof. Eduardo, equivaleram à primeira prova.
Normas: fonte Times New Roman 12, espaçamento 1,5, margens de 2 cm, de 5 a 10 páginas. Deve ser entregue uma cópia impressa.
O que é uma resenha exatamente? Vocês podem encontrar mil e um guias de como fazer uma na internet (por exemplo, aqui e aqui), mas para os nossos propósitos, existem dois elementos centrais: resumo e posicionamento crítico. Podem ser duas partes separadas do texto, ou podem se misturar.
O resumo é uma síntese da totalidade do livro, do que mais importa nele: por que ele foi escrito? Quais as ideias do autor? Que argumentos ele utiliza? Podem resumir cada capítulo, ou as ideias principais do conjunto da obra - o importante é não se perder nos detalhes e questões secundárias. Na hora de formular o resumo, é bom ainda lembrar o contexto em que o livro foi produzido, que consta no prefácio.
O posicionamento é, como o nome já diz, uma tomada de posição pessoal em relação ao livro. Lembrem que é o trabalho final da cadeira de Introdução e façam ligações com outros temas e textos já vistos. Concordam com uma parte? Discordam de outra? Que ideias do livro poderiam ser mais aprofundadas? Quais serão mais úteis para vocês? E deve ser crítico, baseado em argumentos - justifiquem, expliquem o que disserem. É sempre bom puxar ideias de outros textos para argumentar, com a única condição de fazer a devida citação.
Finalmente, duas coisas relacionadas à aula de hoje. Primeira, os sites institucionais que foram mencionados, para darem uma olhada e se familiarizarem - isso também faz parte da educação acadêmica, aprender os eixos norteadores do sistema em que operamos:
http://www.anpuh.org/ - o site da ANPUH, nossa principal associação de historiadores. Cheio de notícias da área.
http://portal.mec.gov.br/index.php - site do Ministério da Educação. Avalia os cursos de graduação e formula currículos para ensino fundamental e médio.
http://www.capes.gov.br/ - CAPES, que avalia cursos de pós-graduação, periódicos acadêmicos e científicos e distribui bolsas de pesquisa. O Qualis, avaliação de periódicos, está aqui (http://www.capes.gov.br/avaliacao/qualis). O Qualis busca indicar a qualidade das publicações em cada área, sendo muito questionável em que medida isso é realmente feito, mas é bom saber que ele existe e como funciona.
http://www.cnpq.br/ - CNPq, que distribui bolsas de pesquisa e mantém a plataforma Lattes, uma espécie de Facebook acadêmico (http://lattes.cnpq.br/) - é útil para saber a produção de um pesquisador (por exemplo, o autor de um livro que queremos ler...) e pode ser pesquisado por palavras chave, permitindo ter uma noção de quem faz pesquisas em determinado campo.
Segunda, a bibliografia complementar sobre campos históricos, agora com alguns acréscimos. À medida que se interessarem por uma ou outra linha de pesquisa, os textos ajudam a se situar e saber em que estado está um campo, quais os conceitos mais comuns, as obras de referência principais:
Gerais:
Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas - Domínios da história
José D'Assunção Barros - Campos da história
José D'Assunção Barros - Teoria da história, volume 1
Verena Alberti e outros - Fontes históricas
Carla Pinsky e outros - O historiador e suas fontes
Específicos a um campo:
Verena Alberti - Manual de história oral
Peter Burke - O que é história cultural?
Ronaldo Vainfas - Os protagonistas anônimos da história [sobre micro-história]
José Pádua - As bases teóricas da história ambiental
Joan Scott - Gênero, uma categoria útil de análise histórica
Cláudia Viscardi - História, região e poder [sobre história regional]
Quaisquer dúvidas, podem enviar um e-mail para ehr.historia@yahoo.com.br, e nos vemos na próxima semana.
Onde o ontem vive no hoje. Notas sobre a história, a ciência histórica e a vida acadêmica para leitores curiosos.
maio 30, 2012
maio 29, 2012
66. Aviso aos leitores habituais
Pelas próximas semanas, este blog vai ganhar uma segunda função, servindo também para comunicação com os alunos.
Que alunos? Por problemas de saúde do professor Astor, titular da disciplina de Introdução aos Estudos Históricos na UPF, fiquei encarregado de segurar o front e cuidardas vítimas indefesas dos alunos pelo resto do semestre. Vou colocar aqui indicações de leitura, instruções para trabalhos, entre outras coisas técnicas que não interessam muito quando fora de contexto.
Para evitar dúvidas, esses posts vão conter uma indicação no título: [Alunos - IEH].
De resto, a função original do blog, de instrumento de divulgação histórica, se mantém. A fase final da dissertação anda roubando o tempo que seria usado para elaborar mais textos, então peço compreensão quanto à manutenção um tanto quanto irregular.
Que alunos? Por problemas de saúde do professor Astor, titular da disciplina de Introdução aos Estudos Históricos na UPF, fiquei encarregado de segurar o front e cuidar
Para evitar dúvidas, esses posts vão conter uma indicação no título: [Alunos - IEH].
De resto, a função original do blog, de instrumento de divulgação histórica, se mantém. A fase final da dissertação anda roubando o tempo que seria usado para elaborar mais textos, então peço compreensão quanto à manutenção um tanto quanto irregular.
maio 14, 2012
65. Quando Roberto Carlos bancou o censor
O cantor Roberto Carlos é conhecido por todo o Brasil. O censor Roberto Carlos já foi esquecido por muitos, embora os dois sejam a mesma pessoa. Há alguns anos, RC foi à justiça para proibir a publicação de uma biografia sua feita pelo historiador Paulo César de Araújo. A justificativa? Não que a biografia tivesse erros graves ou qualquer desrespeito ao biografado. O problema era mais simples: RC alegava que o seu passado, sua história de vida, fazia parte do seu patrimônio. Nosso Judiciário concordou com essa tese absurda que estende a propriedade privada ao passado, e sabe-se lá como vai ficar a vida dos historiadores se outras pessoas importantes resolverem seguir o precedente.
O site Café História está com uma entrevista a Paulo César de Araújo, incluindo sua opinião sobre esse acontecimento lamentável e outros episódios de sua vida de pesquisador.
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Um Biógrafo em Detalhes
O site Café História está com uma entrevista a Paulo César de Araújo, incluindo sua opinião sobre esse acontecimento lamentável e outros episódios de sua vida de pesquisador.
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Um Biógrafo em Detalhes
Em
entrevista ao Café História, o historiador e jornalista Paulo César de
Araújo fala de sua obra proibida sobre Roberto Carlos e também de suas
pesquisas no campo da Música Popular Brasileira. Tudo, em detalhes
Baiano
de Vitória da Conquista, mas erradicado há vários anos em Niterói,
Paulo César de Araújo vem se consolidando como um dos principais
pesquisadores brasileiros da chamada Música Popular Brasileira. Em 2002,
lançou o excelente “Eu não sou Cachorro, Não: música popular cafona e
ditadura militar”, livro com o qual quebrou tabus ao discutir como os
cantores considerados “cafonas” também foram alvos da ditadura militar
no Brasil, além de ressaltar a importância deste gênero musical na
história da MPB. No final de 2006, Paulo César deu sequencia ao seu
trabalho no campo da música lançando a biografia de Roberto Carlos,
intitulada “Roberto Carlos em Detalhes”, pela Editora Planeta. Em poucos
meses, o livro tornou-se um best-seller, vendendo mais de vinte mil
cópias.
O
sucesso, porém, foi interrompido por um processo movido pelo próprio
Roberto Carlos na 20a Vara Criminal da Barra Funda, na cidade de São
Paulo. O cantor, que considera-se o único detentor dos direitos de sua
história, chegou a pedir no processo a prisão de Paulo César.
Interessou-se por essas histórias? Então, não perca a nova entrevista do
Café História, que está imperdível!
Paulo César de Araújo:
Jornalista formado pela PUC-RJ e Historiador pela UFF, além de mestre em
Memória Social pela UNIRIO e professor de história em escolas públicas
da capital fluminense.
CAFÉ HISTÓRIA: Paulo
César, seja muito bem-vindo e muito obrigado pela entrevista. É um
prazer recebe-lo aqui no Café História. Vamos começar nossa conversa
falando sobre o principal debate público envolvendo o seu nome nos
últimos anos: a proibição de seu ensaio biográfico “Roberto Carlos em
Detalhes”, em 2007. Na época, você chegou a correr risco de ter que
pagar uma multa milionária e até mesmo de ser preso. Como esse episódio
impactou em sua vida pessoal e profissional e em que pé esse imbróglio
está hoje?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
Corri risco não apenas de pagar multa milionária, mas também de ser
preso, pois RC pediu minha condenação e prisão no processo criminal. Mas
apesar dessas ameaças e da proibição do livro, não me sinto derrotado. A
biografia foi escrita, publicada, reconhecida pela crítica e pelo
público, se tornou um best-seller. Claro que lamento o que aconteceu.
Lamento por mim e pelo próprio Roberto Carlos. A esta altura da carreira
ele não precisava ter este triste capítulo na sua história. Mas minha
advogada continua brigando na Justiça para trazer meu livro de volta. E
isto ficará mais fácil quando for aprovada a Lei das Biografias (Projeto
de Lei 3378/08), que está sendo discutida no congresso. De autoria do
deputado federal Newton Lima, o projeto altera o artigo 20 do Código
Civil, tornando livre informações biográficas de pessoas famosas ou de
notoriedade pública. Nesse sentido, estou em duas frentes: na Justiça e
torcendo para o Congresso aprovar logo a Lei das Biografias.
CAFÉ HISTÓRIA:
Paulo, a Editora Planeta, que publicou o livro, acatou facilmente a
decisão da justiça e lhe deixou desamparado. Como foi a sua relação com a
editora? Hoje, você está totalmente sozinho na luta pela publicação do
livro?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
Minha relação com a Editora Planeta foi boa durante todo o processo de
produção do livro. A postura da editora também foi positiva no primeiro
momento da briga judicial, quando prometeu que seus advogados iriam
defender o autor e o livro. Porém, isto não ocorreu. Ela capitulou na
audiência de conciliação. É unânime que a Editora Planeta falhou ao não
levar esta briga adiante. Isto teria sido bom para a imagem da própria
editora, que honraria seu nome. Mas, infelizmente, ela optou por uma
solução imediatista, mais cômoda e barata. Hoje não tenho mais nada com
esta editora, pois o contrato para edição do meu livro já venceu e não
foi renovado. Sigo agora minha luta sozinho, e quando “Roberto Carlos em
detalhes” for reeditado, será por outra editora.
CAFÉ HISTÓRIA:
Nos últimos anos, você deu diversas entrevistas sobre o tema. No
entanto, boa parte da imprensa tratou a questão como uma disputa sua com
o Roberto Carlos. Mas o foco principal deste debate não deveria estar
na legislação brasileira? Qual a sua opinião sobre a nossa legislação?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
A rigor, se as leis fossem devidamente interpretadas pelos magistrados,
ou seja, com ponderação, bom senso, nem precisaria mudar a legislação.
Mas, infelizmente, nem sempre isto ocorre. Na nossa Constituição o
direito à liberdade de informação e o de privacidade se equivalem em
termos de peso, um não prevalece sobre o outro. Eles são tratados como
direitos iguais. Ocorre que houve um retrocesso com o novo Código Civil
de 2002, que deu um peso maior à proteção da imagem e da privacidade em
detrimento do direito de informação. Porém, Código Civil é lei ordinária
e não poderia prevalecer sobre uma lei maior, a Carta Magna. Mas na
prática os juízes têm evocado este artigo 20 para justificar seus atos
censórios. Os advogados de Roberto Carlos, por exemplo, se agarraram a
este mesmo artigo para obter a proibição do livro. Por isso, é mais do
que necessário o projeto que tramita no Congresso visando mudar o artigo
20 do Código Civil.
CAFÉ HISTÓRIA:
Paulo, no I Festival de História, realizado na cidade de Diamantina, em
outubro de 2011, você disse que o livro circula na internet sem
qualquer tipo de controle. E que ele tem sofrido até mesmo edições e
acréscimos dos leitores. Isso é bastante inusitado, não? Que tipo de
alteração você já viu? Na sua opinião, o livro ainda circular nesse meio
lhe prejudica ainda mais ou pode ser positivo?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
O livro apareceu na internet logo após a sua proibição, em 2007, e
entendi isto como um ato de desobediência civil. Mas nas primeiras
versões a biografia aparecia com modificações, as pessoas incluíam
textos de outros livros e até piadinhas com Roberto, Erasmo e Wanderléa.
Registre-se, entretanto, que vários outros livros (e também músicas)
correm livres na internet. Isto é um dado da realidade atual. O que
lamento é que meu livro não possa continuar também livremente nas
livrarias, na forma como foi originalmente publicado. Seja como for, o
importante é que “Roberto Carlos em detalhes” continua acessível ao
público. Eu escrevi para ser lido. E atualmente recebo mensagens de uma
nova leva de leitores que afirmam estar lendo o livro na internet.
CAFÉ HISTÓRIA:
“Roberto Carlos em Detalhes” é fruto de 15 anos de pesquisa. E não é
exatamente uma biografia, como você mesmo disse em outras ocasiões.
Trata-se de uma pesquisa que tenta responder o que é o fenômeno Roberto
Carlos. Como você respondeu essa pergunta em seu livro? Que chaves de
entendimentos foram utilizadas?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
Eu uso o Roberto como fio condutor para contar a história da moderna
música brasileira, surgida a partir dos anos 50. Seguindo os passos de
Roberto Carlos analiso a jovem guarda, a bossa nova, o tropicalismo, os
festivais da canção, a ditadura militar e outros momentos e movimentos
ocorridos ao longo deste período. Trato Roberto como personagem da
história do Brasil, não apenas como cantor. Escrevi sobre ele como
poderia escrever sobre Lula, Pelé, Luiz Carlos Prestes, personagens
marcantes da nossa história. O resgate de trajetórias individuais é útil
para iluminar questões ou contextos mais amplos. Como ensina Eric
Hobsbawm, o acontecimento, o indivíduo, não são fins em si mesmos, mas
constituem o meio de esclarecer questões mais abrangentes, que vão além
da história particular e seus personagens. Foi o que me propus ao
escrever sobre a trajetória de Roberto Carlos na história brasileira.
CAFÉ HISTÓRIA:
A proibição do livro abre um precedente perigoso: pessoas públicas são
as únicas detentoras, intérpretes e senhoras de suas própria história.
Na sua opinião, qual as implicações deste tipo de premissa para o
trabalho do historiador?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
Roberto Carlos resumiu este pensamento ao justificar porque entrou na
Justiça contra mim. “A minha história é um patrimônio meu, quem escreveu
este livro se apropriou deste meu patrimônio e o usou em seu próprio
beneficio". Esta talvez seja a forma mais radical que se conhece de
propriedade privada; não apenas aquela sobre os meios de produção, um
imóvel ou um automóvel, mas a propriedade privada de sua história. Se
isto prevalecer, ninguém poderá mais contar a história do Brasil.
Imagine se o presidente Lula ou os herdeiros de Getúlio Vargas também
reivindicassem que a história deles é patrimônio exclusivo e que ninguém
poderia escrever sobre o tema sem autorização? Nesse sentido, o caso é
realmente grave e necessita da reação da sociedade.
CAFÉ HISTÓRIA:
Deixemos Roberto Carlos de lado, agora. Seus trabalhos vão bem mais
além deste episódio. Você escreveu um livro importantíssimo sobre a
música popular brasileira, “Eu não sou cachorro, não: música popular
cafona e a ditadura militar”, que rompe com um silêncio: músicos
considerados “cafonas” durante a ditadura militar também sofreram com o
autoritarismo vigente no país. Como surgiu a ideia desse livro e que
fontes você utilizou em sua pesquisa?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
A ideia deste livro surgiu a partir de uma constatação: a música brega
estava excluída dos livros de história da nossa música popular. Quando
ingressei na faculdade percebi que as pessoas falavam bastante de rock,
bossa nova, tropicalismo, samba de raiz, mas não tinham maiores
referências sobre a história da música brega. É como se ela não
existisse, fosse invisível. A partir desta constatação resolvi
investigar o repertório e o porquê da exclusão. Mas eu não queria ficar
restrito à produção musical, avancei também pela história social,
relacionando as canções ao tempo histórico em que foram produzidas. E na
pesquisa constatei que os cantores bregas também foram censurados pela
ditadura militar. Pesquisei diversas fontes: arquivos da censura,
discos, jornais, revistas, além de entrevistas que realizei com os
cantores bregas. A discografia foi garimpada em sebos, pois estava quase
tudo fora de catálogo. Fui ao Arquivo Nacional do Rio e em Brasília
atrás de documentos da Censura, que hoje já podem ser facilmente
acessadas, mas na época requeria um trabalho de detetive.
CAFÉ HISTÓRIA:
Quais foram os artistas do chamado “brega” ou “cafona” que mais
sofreram nas mãos do regime militar? E o que no trabalho desses artistas
incomodava aos militares e a direita?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO:
Eles incomodaram porque na época não havia apenas repressão política;
havia também repressão moral. A referência explícita à sexualidade era
identificada como um ato de subversão. O cantor podia dizer “eu te amo,
eu te adoro”. Isto não era problema. Mas Odair José cantava: “Eu te amo
debaixo do chuveiro”. Aí era proibido. As composições bregas focalizavam
temas como prostituição, homossexualismo, adultério, divórcio, racismo,
alienação, consumo de drogas, exclusão social. Temas tabus e de
impressionante modernidade. Não por acaso Odair José foi um dos mais
censurados artistas no período da ditadura. Ele ousava, desafiava a
repressão. Por exemplo: 25 anos antes de Marcelo D2, Odair gravou a
balada apologética “Viagem”, que convida: “Venha comigo na minha viagem /
não se preocupe eu tenho as passagens...”. Outro tema como, por
exemplo, o divórcio, que não aparecia no repertório da MPB dos anos 70,
foi bastante comentado pelo repertório brega. Ou até mais do que isto.
Em 1977, quando muito se falava dos treze anos da chamada “revolução de
64”, Luiz Ayrão fez uma música chamada “Treze Anos”, que diz: “Treze
anos eu te aturo e não aguento mais / Treze anos me seguro e agora não
dá mais / Se treze é minha sorte, vai, me deixa em paz..”. O título e a
mensagem eram óbvios demais e a música foi proibida. Mas, aí,
malandramente, ao melhor estilo de um Julinho da Adelaide, Ayrão mudou o
título para “O divórcio” e enviou a música para um outro órgão da
censura. Os censores de plantão imaginaram tratar-se de mais uma canção
de amor e liberaram a gravação.
CAFÉ HISTÓRIA:
Em “Eu não sou cachorro, não”, são reveladores os depoimentos de Waldik
Soriano sobre a tortura, além de outros igualmente reveladores, como
Agnaldo Timóteo e Odair José. Porque esse capítulo da história ficou
tanto tempo silenciado? E o que os artistas deste gênero acharam do
livro? Pelo visto, foram mais elegantes que Roberto Carlos, não?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO: Este
capítulo estava fora da história porque no campo da nossa música
popular se produziu uma memória histórica autoritária e excludentes.
Isto tem a ver com o que o sociólogo Michel Pollak chama de processo de
enquadramento da memória. Há um fosso que separa a memória de grupos
sociais marginalizados da memória nacional dominante. Os cantores bregas
fazem parte da memória afetiva da maioria da população brasileira.
Porém, a história tem sido contada por uma elite intelectual que
despreza este repertório popular. O resultado foi um amplo descaso com a
trajetória de artistas de grande importância para a vida de milhões
brasileiros. Além de excluídos dos benefícios do sistema econômico, para
grande parte da nossa população não lhes restava nem o registro da sua
história, dos seus ídolos e intérpretes. Meu livro foi bem recebido por
todos os artistas bregas. Recentemente, na revista Piauí, Odair José até
fez um comentário interessante ao dizer que depois de ler “Eu não sou
cachorro, não” passou a ter mais afeto e respeito por sua própria obra.
Ou seja, Odair havia introjetado o discurso dominante.
CAFÉ HISTÓRIA:
O cantor Lobão vem nos últimos anos se notabilizando por seus
comentários críticos sobre a música popular brasileira. Comentários
insistentes e em muitos pontos até mesmo superficiais. Existe hoje uma
incompreensão da música popular brasileira? Na sua opinião, como devemos
problematizar a música produzida ontem e hoje no país?
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO: Costuma-se
dizer que todos brasileiro é técnico de futebol, porque todos nós
entendemos deste esporte. No campo da música popular acorre algo
parecido. Todos são especialistas em MPB, todos debatem, discutem,
opinam, escrevem, mas geralmente de maneira superficial. Um dos grandes
problemas é que os pesquisadores não separam seu gosto pessoal da
análise. E então acontece algo do tipo: “eu gosto de Chico Buarque, logo
Chico é o maior nome da história da MPB”. Ou, “eu gosto mais de Noel
Rosa, logo é Noel o maior de todos os tempos”. Geralmente os
pesquisadores colocam o seu gosto pessoal ou o da sua classe como
parâmetro para definir o passado musical da sociedade. E aí pode ocorrer
de alguém se propor a contar a história da música popular brasileira do
fim do século 20 e não destacar o funk carioca, o sertanejo ou pagode
por considerá-los ruins ou de mau gosto. Mas, afinal, quais os critérios
de julgamento na definição da “boa” música popular? Por que Nelson
Sargento é considerado bom e Waldick Soriano ruim? Quem determina estes
critérios como universalmente válidos? Estas questões precisam ser
problematizadas nas análises de nossa música popular.
CAFÉ HISTÓRIA: Para
encerrar nosso ótimo papo, Paulo, duas rápidas perguntas curiosas. 1)
Você está preparando algum novo livro sobre música? 2) Você é um grande
flamenguista. Já pensou em biografar algum jogador do Flamengo ou de
outro clube do futebol brasileiro? Afinal não existe maior dobradinha no
Brasil do que música e futebol...
PAULO CÉSAR DE ARAÚJO: No
próximo trabalho vou narrar os bastidores da pesquisa que resultou nos
meus dois livros, “Eu não sou cachorro, não” e “Roberto Carlos em
detalhes”. Ao longo de quinze anos de pesquisa entrevistei cerca de 200
personagens da música brasileira. Vou falar de meus encontros com Tom
Jobim, Waldick Soriano, João Gilberto, Tim Maia, e dos desencontros com
Roberto Carlos. Enfim, vou contar a minha história, os caminhos de um
biógrafo. Depois pretendo sim fazer um trabalho sobre futebol. Tenho,
inclusive, uma pesquisa iniciada no tempo da faculdade. Só não defini
ainda se será a biografia de algum craque ou uma análise mais geral.
Seja com for, o Flamengo será destaque, pois é um dos construtores da
grandeza do nosso futebol.
maio 12, 2012
64. 2012, o ano em que o mundo não terminou
Novas descobertas arqueológicas contribuíram para tornar ainda mais inverossímil a ideia de que os maias esperavam que o mundo terminasse em 2012. Este ano marca apenas o fim de um ciclo do calendário maia, um ciclo entre outros após o que a vida continuaria normalmente, da mesma maneira como ninguém espera que o mundo termine em 31 de dezembro de 9999 - o fato de quase sempre representarmos os anos com quatro dígitos é simplesmente para nossa conveniência.
Ou, colocando o assunto de outra forma: somos nós que estamos com uma mentalidade apocalíptica de que tudo pode acabar a qualquer momento, e nos apegamos a uma possibilidade muito pequena de que os maias também pensassem assim e ainda de quebra soubessem de algo que nós ignoramos a respeito. Lamento dizer aos desastrólogos de plantão que não é bem assim, e recomendo que adiem um pouco a data do apocalipse...
Uma versão meio difícil de compreender da notícia em português no Estadão, e abaixo segue o artigo do El País, muito melhor explicado:
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Y, cómo no, los científicos que lo han encontrado han tenido que responder a la pregunta maya más de actualidad. ¿Hay alguna pista nueva sobre el fin de los días en la próxima Navidad? De acuerdo con las explicaciones de uno de los científicos que forman parte del hallazgo, el arqueólogo William Saturno, de la Universidad de Boston, en este calendario no hay rastro del apocalipsis; es más, afirma que han detectado una novedad que contradice la posibilidad de que los mayas previesen esta fecha -o cualquier otra- como el punto final del mundo. En los restos del calendario han identificado 17 ciclos astronómicos, en vez de los 13 acostumbrados, y ello desmontaría la teoría de que las viejas averiguaciones mayas hayan previsto el caos definitivo para 2012.
En realidad, lo notable del descubrimiento no tiene tanto que ver con el apocalipsis como con otros factores menos cinematográficos pero que probablemente interesen más a los entendidos. Los expertos involucrados en el hallazgo, Saturno y David Stuart, de la Universidad de Austin, resaltan que lo más asombroso es cómo se han podido conservar estas pinturas primitivas -en las que está plasmado el calendario- en un habitáculo que ha pasado siglos enterrado a un metro de la superficie.
La estructura fue descubierta en 2010 por Max Chamberlain, un estudiante del equipo de Saturno, que estaba siguiendo las trincheras abiertas por saqueadores a través de la ciudad de Xultún, escondida en la selva de la zona de Petén, un territorio de ruinas de 16 kilómetros cuadrados de extensión descubierto en 1915 por el el arqueólogo estadounidense Sylvanus Morley (1883-1948).
Además de lo extraordinario de que los restos se encontrasen en buen estado, los investigadores inciden en la importancia de la antigüedad del calendario, fechado en el siglo 9 d.C., según informa la revista Science, y también anotan lo novedoso del soporte. "Lo más interesante es que ahora vemos que los mayas estaban haciendo estos cálculos cientos de años antes de que se registraran en los códices, en lugares que no eran libros", ha valorado el arqueólogo Saturno en sus apreciaciones académicas sobre el descubrimiento, alejadas ya del debate sui generis del fin del mundo, que, en sus palabras, es una polémica "manipulada", dado que, de acuerdo con su tesis, el calendario maya no tiene término, es un ciclo que donde acaba vuelve a empezar y se perpetúa millones de años.
Dicha hipótesis, que corta las ilusiones o los temores de los aficionados a las teorías más fatalistas, coincide con la expresada en 2011 en un foro de expertos mayistas organizado el pasado otoño en Chiapas por el mexicano Instituto Nacional de Antropología e Historia. La conclusión común de los conocedores de la ciencia maya -astrofísicos, historiadores, epigrafistas [es decir, intérpretes de inscripciones], arqueólogos- fue que las leyendas del fin del mundo en 2012 son "descontextualizaciones" de elementos de una cultura antigua que, básicamente, tienen que ver con el "desasosiego" de la sociedad contemporánea, avivado por problemas como "la inestabilidad político-económica o el cambio climático".
En aquellas conferencias se ofrecieron distintos detalles sobre la cuestión del cataclismo maya. Erik Velásquez, del Instituto de Investigaciones Antropológicas de la UNAM, la mayor universidad mexicana, comentó que las profecías apocalípticas empezaron en los años 70 al hilo de un libro escrito por un escritor llamado Frank Waters que, según Velásquez, hizo una mezcolanza de creencias con mucho tirón. "Así se inició toda una secuencia de literatura de la Nueva Era, o New Age, que ha crecido con el paso de los años generando grandes dividendos y satisfaciendo la necesidad de mucha gente de creer, pero sin ningún sustento académico", expuso el científico.
Velásquez y otro académico, Sven Gronemeyer, hicieron hincapié en que la civilización maya tenía una concepción cíclica del tiempo. "De ninguna manera pensaron que el mundo se acabaría en 2012", sentenció Velásquez. Otro colega científico que estuvo en el foro, el astrofísico, Jesús Galindo, también de la UNAM, le quito peso al rumor ancestral de que nos quedan solo unos pocos meses sobre la faz de la tierra. Afirmó que es vano fabular con que un cometa nos "extermine", porque estos fenómenos no se pueden predecir con ninguna exactitud, y tampoco compartió la opción de que una serie de erupciones solares achicharren nuestro planeta: "eso sucede cada 11 años, pero por suerte tenemos un escudo magnético que evita que nos afecte", argumentó. El doctor Galindo, al igual que sus compañeros y que los responsables del nuevo hallazgo en Guatemala, no cree que los mayas pudiesen prever una hecatombe natural que nos borrase de golpe y plumazo de la existencia el próximo 21 de diciembre, tres días antes de la cena de Nochebuena: "No hay posibilidad de que nadie plantee un fin del mundo", aseveró en el foro el científico mexicano; "ni los mayas ni la ciencia actual".
Ou, colocando o assunto de outra forma: somos nós que estamos com uma mentalidade apocalíptica de que tudo pode acabar a qualquer momento, e nos apegamos a uma possibilidade muito pequena de que os maias também pensassem assim e ainda de quebra soubessem de algo que nós ignoramos a respeito. Lamento dizer aos desastrólogos de plantão que não é bem assim, e recomendo que adiem um pouco a data do apocalipse...
Uma versão meio difícil de compreender da notícia em português no Estadão, e abaixo segue o artigo do El País, muito melhor explicado:
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Descubierto el calendario maya más antiguo en unas ruinas de Guatemala
Las inscripciones estaba soterradas desde hace siglos en un habitáculo a un metro de la superficie
Sus códigos refutan el supuesto de que el mundo se acabará en 2012, según los descubridores
En el año en que la antigua civilización maya se ha puesto de moda por su supuesta previsión de un cataclismo para el 21 de diciembre de 2012, un nuevo hallazgo de restos de esta cultura ha impactado al mundo de la arqueología. En la ciudad-ruina de Xultún, en Guatemala, se ha descubierto una pequeña habitación soterrada que alberga el calendario astronómico maya más antiguo que se haya conocido.Y, cómo no, los científicos que lo han encontrado han tenido que responder a la pregunta maya más de actualidad. ¿Hay alguna pista nueva sobre el fin de los días en la próxima Navidad? De acuerdo con las explicaciones de uno de los científicos que forman parte del hallazgo, el arqueólogo William Saturno, de la Universidad de Boston, en este calendario no hay rastro del apocalipsis; es más, afirma que han detectado una novedad que contradice la posibilidad de que los mayas previesen esta fecha -o cualquier otra- como el punto final del mundo. En los restos del calendario han identificado 17 ciclos astronómicos, en vez de los 13 acostumbrados, y ello desmontaría la teoría de que las viejas averiguaciones mayas hayan previsto el caos definitivo para 2012.
En realidad, lo notable del descubrimiento no tiene tanto que ver con el apocalipsis como con otros factores menos cinematográficos pero que probablemente interesen más a los entendidos. Los expertos involucrados en el hallazgo, Saturno y David Stuart, de la Universidad de Austin, resaltan que lo más asombroso es cómo se han podido conservar estas pinturas primitivas -en las que está plasmado el calendario- en un habitáculo que ha pasado siglos enterrado a un metro de la superficie.
La estructura fue descubierta en 2010 por Max Chamberlain, un estudiante del equipo de Saturno, que estaba siguiendo las trincheras abiertas por saqueadores a través de la ciudad de Xultún, escondida en la selva de la zona de Petén, un territorio de ruinas de 16 kilómetros cuadrados de extensión descubierto en 1915 por el el arqueólogo estadounidense Sylvanus Morley (1883-1948).
Además de lo extraordinario de que los restos se encontrasen en buen estado, los investigadores inciden en la importancia de la antigüedad del calendario, fechado en el siglo 9 d.C., según informa la revista Science, y también anotan lo novedoso del soporte. "Lo más interesante es que ahora vemos que los mayas estaban haciendo estos cálculos cientos de años antes de que se registraran en los códices, en lugares que no eran libros", ha valorado el arqueólogo Saturno en sus apreciaciones académicas sobre el descubrimiento, alejadas ya del debate sui generis del fin del mundo, que, en sus palabras, es una polémica "manipulada", dado que, de acuerdo con su tesis, el calendario maya no tiene término, es un ciclo que donde acaba vuelve a empezar y se perpetúa millones de años.
Dicha hipótesis, que corta las ilusiones o los temores de los aficionados a las teorías más fatalistas, coincide con la expresada en 2011 en un foro de expertos mayistas organizado el pasado otoño en Chiapas por el mexicano Instituto Nacional de Antropología e Historia. La conclusión común de los conocedores de la ciencia maya -astrofísicos, historiadores, epigrafistas [es decir, intérpretes de inscripciones], arqueólogos- fue que las leyendas del fin del mundo en 2012 son "descontextualizaciones" de elementos de una cultura antigua que, básicamente, tienen que ver con el "desasosiego" de la sociedad contemporánea, avivado por problemas como "la inestabilidad político-económica o el cambio climático".
En aquellas conferencias se ofrecieron distintos detalles sobre la cuestión del cataclismo maya. Erik Velásquez, del Instituto de Investigaciones Antropológicas de la UNAM, la mayor universidad mexicana, comentó que las profecías apocalípticas empezaron en los años 70 al hilo de un libro escrito por un escritor llamado Frank Waters que, según Velásquez, hizo una mezcolanza de creencias con mucho tirón. "Así se inició toda una secuencia de literatura de la Nueva Era, o New Age, que ha crecido con el paso de los años generando grandes dividendos y satisfaciendo la necesidad de mucha gente de creer, pero sin ningún sustento académico", expuso el científico.
Velásquez y otro académico, Sven Gronemeyer, hicieron hincapié en que la civilización maya tenía una concepción cíclica del tiempo. "De ninguna manera pensaron que el mundo se acabaría en 2012", sentenció Velásquez. Otro colega científico que estuvo en el foro, el astrofísico, Jesús Galindo, también de la UNAM, le quito peso al rumor ancestral de que nos quedan solo unos pocos meses sobre la faz de la tierra. Afirmó que es vano fabular con que un cometa nos "extermine", porque estos fenómenos no se pueden predecir con ninguna exactitud, y tampoco compartió la opción de que una serie de erupciones solares achicharren nuestro planeta: "eso sucede cada 11 años, pero por suerte tenemos un escudo magnético que evita que nos afecte", argumentó. El doctor Galindo, al igual que sus compañeros y que los responsables del nuevo hallazgo en Guatemala, no cree que los mayas pudiesen prever una hecatombe natural que nos borrase de golpe y plumazo de la existencia el próximo 21 de diciembre, tres días antes de la cena de Nochebuena: "No hay posibilidad de que nadie plantee un fin del mundo", aseveró en el foro el científico mexicano; "ni los mayas ni la ciencia actual".
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