Saíram os anais do XXVI Simpósio Nacional de História, realizado em São Paulo no mês de julho. Para quem se interessa por algum assunto histórico qualquer, ou quer se inteirar do que anda sendo pesquisado, é uma boa oportunidade - existem centenas de textos, sobre outros tantos assuntos diferentes (se a qualidade também varia muito, ainda não li o suficiente para dizer!). Eis o site.
Dos textos, um é meu. A história dos quadrinhos é um tema que me agrada muito, apesar de ainda não ter tido chance de continuar a pesquisa. Nesse primeiro momento, fiz uma comparação entre suas vertentes americana e japonesa, as principais do mundo até hoje. Aos interessados, o texto está aqui.
Onde o ontem vive no hoje. Notas sobre a história, a ciência histórica e a vida acadêmica para leitores curiosos.
novembro 30, 2011
novembro 21, 2011
46. Resgatando o passado?
Depois de muita espera, saíram duas leis que trazem alguma esperança: a 12.527, que garante o acesso a informações públicas, e a 12.528, que cria a Comissão da Verdade destinada a investigar os abusos do governo militar.
A grande pergunta é: esses são passos no sentido da transparência governamental e da investigação honesta da verdade ou são mais dois pedaços de papel que não vão fazer diferença nenhuma?
Carlos Fico, em um post recente no seu blog, diz que "o que realmente importa é a pressão da sociedade". Ele está certo, obviamente, mas isso não é muito animador. O que me faz pensar isso? Para entender, acesse este texto do Reinaldo Azevedo e veja os comentários dos leitores. Eu sei de todos os estereótipos do leitor da Veja como um reacionário de classe média*, mas algumas coisas assustam.
* Como muitos estereótipos, esse tem um pouco de verdade e um tanto de exagero. Eu próprio leio a Veja de tempos em tempos e penso que, embora a cobertura de política externa deles - entre outras coisas - seja tendenciosa, a revista tem um lado mais positivo, como as infinitas denúncias contra os nossos políticos. E, em todo caso, ter uma linha política é um direito da publicação, apesar de eu preferir que ela se identificasse abertamente como uma revista socialmente conservadora e economicamente liberal ou o que fosse.
Voltando: lembrar que o golpe de 1964 aconteceu em um contexto de radicalização política crescente, e que muita gente na esquerda também não estava muito interessada em democracia é uma coisa. Outra bem diferente é achar que os militares salvaram o Brasil do comunismo. Na minha visão das coisas, tomar o poder, fazer as leis como bem entendiam, respeitar os direitos humanos só na medida em que não fosse muito inconveniente, censurar, torturar e matar, e chamar isso de salvação da pátria é um tanto estranho.
Na mesma linha, a Comissão da Verdade não é parcial só porque vai se concentrar nos abusos cometidos por agentes do governo. Os guerrilheiros não eram 100% bonzinhos, fizeram as suas sacanagens também? Sem dúvida. A pequena diferença é que esse pessoal já teve os seus atos investigados pelo governo militar. Agora, quem investigou os militares? Reconhecer que existe essa disparidade, que os dois lados abusaram mas um tinha infinitamente mais poder para isso que o outro, não significa necessariamente aprovar a república comunista que muitos guerrilheiros queriam criar. Vamos separar as coisas...
A grande pergunta é: esses são passos no sentido da transparência governamental e da investigação honesta da verdade ou são mais dois pedaços de papel que não vão fazer diferença nenhuma?
Carlos Fico, em um post recente no seu blog, diz que "o que realmente importa é a pressão da sociedade". Ele está certo, obviamente, mas isso não é muito animador. O que me faz pensar isso? Para entender, acesse este texto do Reinaldo Azevedo e veja os comentários dos leitores. Eu sei de todos os estereótipos do leitor da Veja como um reacionário de classe média*, mas algumas coisas assustam.
* Como muitos estereótipos, esse tem um pouco de verdade e um tanto de exagero. Eu próprio leio a Veja de tempos em tempos e penso que, embora a cobertura de política externa deles - entre outras coisas - seja tendenciosa, a revista tem um lado mais positivo, como as infinitas denúncias contra os nossos políticos. E, em todo caso, ter uma linha política é um direito da publicação, apesar de eu preferir que ela se identificasse abertamente como uma revista socialmente conservadora e economicamente liberal ou o que fosse.
Voltando: lembrar que o golpe de 1964 aconteceu em um contexto de radicalização política crescente, e que muita gente na esquerda também não estava muito interessada em democracia é uma coisa. Outra bem diferente é achar que os militares salvaram o Brasil do comunismo. Na minha visão das coisas, tomar o poder, fazer as leis como bem entendiam, respeitar os direitos humanos só na medida em que não fosse muito inconveniente, censurar, torturar e matar, e chamar isso de salvação da pátria é um tanto estranho.
Na mesma linha, a Comissão da Verdade não é parcial só porque vai se concentrar nos abusos cometidos por agentes do governo. Os guerrilheiros não eram 100% bonzinhos, fizeram as suas sacanagens também? Sem dúvida. A pequena diferença é que esse pessoal já teve os seus atos investigados pelo governo militar. Agora, quem investigou os militares? Reconhecer que existe essa disparidade, que os dois lados abusaram mas um tinha infinitamente mais poder para isso que o outro, não significa necessariamente aprovar a república comunista que muitos guerrilheiros queriam criar. Vamos separar as coisas...
novembro 17, 2011
45. Jogando fora o passado
O resto do mundo não parece estar muito preocupado diante da notícia de que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul está tomando medidas para destruir boa parte dos processos antigos sob sua guarda. Se é simples desconhecimento, a síndrome do "existem problemas maiores" (como se seres humanos funcionassem como o Windows 3.1, incapazes de se preocupar com várias coisas ao mesmo tempo), ou a outra síndrome do "não é problema meu", não sei.
Vou dar um voto de confiança nos leitores e supor que eles não estão preocupados por não saberem o que está acontecendo. Isso é fácil de resolver*. Vamos começar com a versão do próprio TJ/RS:
* Os leitores apressados e/ou preguiçosos podem pular para as conclusões finais...
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A Associação Nacional de História (ANPUH), sua seção Rio Grande do Sul (ANPUH-RS) e os representantes dos Cursos Superiores de História do estado consideram altamente meritória a iniciativa do Poder Judiciário, que buscou consultar os profissionais da área da História para discutir esse importante processo de organização e preservação da massa documental acumulada, e que consideramos de imenso e insubstituível valor para o conhecimento de nossa sociedade, através dos registros armazenados no Arquivo Judicial desse Tribunal. Compreendemos, também, a necessidade de uma administração adequada desses conjuntos documentais, na medida em que seu volume excessivo consome recursos que sempre são reduzidos, face aos investimentos que se precisa fazer para responder à demanda da sociedade, que vê na Justiça o espaço correto para a resolução de conflitos.
No entanto, entendemos que a forma com que se está desenvolvendo essa proposta não é adequada, pois impede uma consideração apropriada do significado social desses documentos. Eles são importantes para que se possa interpretar os processos históricos vivenciados no nosso Estado, o que se dá através do contato com tais informações ali coligidas. Além disso, é fundamental destacar que o Judiciário não é o proprietário dessa documentação, sendo somente seu guardião, pois estes documentos, na verdade, pertencem a todo a sociedade. Assim, querer dispor desses processos através de medidas extremas atenta contra essa perspectiva, podendo causar prejuízos irreparáveis a todos os que se interessam pela História e pela cidadania.
Entendemos também que não podemos ser convocados a realizar uma atividade limitada, desenvolvida somente no final dos procedimentos administrativos, numa proposta que pretende exigir do profissional da História a escolha e preservação dos documentos ditos “interessantes”, pois isso, além de contrariar tudo o que se tem preconizado na historiografia das últimas décadas, ainda atenta contra o bom senso, na medida em que impede quaisquer critérios objetivos para sua execução, pois o que pode ser um critério “interessante” para um profissional, pode não ser para outro, e vice-versa. Por fim, também não guarda nenhuma lógica com procedimentos operacionais adequados, já que significa nova revisão do conjunto documental, que foi anteriormente avaliado para se identificar outros requisitos.
Tendo em vista o exposto até o momento, os historiadores aqui representados optam por não participar da comissão interdisciplinar proposta sem as garantias de atendimento as nossas reivindicações e de que essas poderão influenciar concretamente no processo de avaliação, preservação e descarte dos documentos custodiados pelo Tribunal.
Outrossim, nos propomos a participar, neste momento, da avaliação da tabela de temporalidade sugerida pelo CNJ, juntamente com arquivistas e outros profissionais específicos, adquirindo subsídios sobre as tipologias documentais geradas pelo Poder Judiciário em seu funcionamento, para, com uma noção mais clara do acervo custodiado pelo TJ/RS, podermos propor efetivas regras de arranjo, descarte ou guarda permanente.
Aproveitamos para sugerir ao Tribunal que, o mais breve possível, promova concurso público para a contratação de profissionais da área de História, capazes de participar da gestão documental da instituição, bem como a disponibilização adequada dos documentos aos pesquisadores e à sociedade em geral.
Como contribuição, apresentamos as seguintes proposições a serem desenvolvidas pela Equipe Técnica do Tribunal de Justiça, a fim de obter nosso apoio a essa atividade:
- Efetuar ampla reorganização da documentação, visando sua correta identificação e classificação, ANTES de se proceder a qualquer descarte;
- Propor a revisão, por parte de profissionais da área da História, da Tabela de Temporalidade sugerida pelo CNJ, na medida em que essa é apenas uma recomendação, que pode ou não ser aceita pelos demais Tribunais. Cabe lembrar que um instrumento desse porte, elaborado em nível nacional, é incapaz de atender aos diversos fenômenos regionais, os quais encontram-se registrados na documentação produzida pelo Poder Judiciário gaúcho;
- Consultar, por meio de manifestação oficial, a Comissão Setorial do Sistema de Arquivos do Estado do Rio Grande do Sul (SIARQ/RS), que tem como determinação legal o dever de se pronunciar a respeito dos procedimentos arquivísticos a serem adotados em todo o Estado do Rio Grande do Sul;
- Apresentar, por meio de Projeto adequado, o Programa de Trabalho de Organização de Acervos Arquivísticos do Poder Judiciário, prevendo as atividades, os procedimentos e, principalmente, os recursos a serem destinados a esse Programa, de modo a permitir um planejamento adequado para a destinação definitiva dessa documentação. As proposições acima tem como objetivo permitir ao Judiciário uma agenda positiva de tratamento dessa documentação, considerando-se que há perspectivas de redução significativa dos recursos dispendidos pelo Poder Judiciário, em função de se estar adotando o Processo Eletrônico. Essa redução de custos, inclusive, poderia ser reinvestida nessa atividade, produzindo um resultado efetivo e qualificado para a questão, fomentando procedimentos que ofereçam à nossa sociedade um ganho em termos de pesquisa e produção de conhecimento.
Colocamo-nos à disposição para continuarmos debatendo esse tema, de modo a encontrar uma solução equilibrada, justa e adequada para todos, que permita ao Judiciário resolver suas dificuldades nesse campo de ação, mas que impeça prejuízos danosos à memória da sociedade gaúcha, o que com toda a certeza não deve ser o objetivo de Vossa Excelência. Temos a clareza de que tais esforços serão recompensados no futuro, no momento em que nossas ações no presente se tornarem também objeto de consideração por parte de nossos descendentes, sejam eles historiadores, operadores do direito ou cidadãos em geral.
Atenciosamente,
Benito Schmidt Presidente da ANPUH (Gestão 2011-13)
Zita Possamai Presidenta da ANPUH-RS (Gestão 2010-12)
Vou dar um voto de confiança nos leitores e supor que eles não estão preocupados por não saberem o que está acontecendo. Isso é fácil de resolver*. Vamos começar com a versão do próprio TJ/RS:
* Os leitores apressados e/ou preguiçosos podem pular para as conclusões finais...
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Classificação de processos para a eliminação
será realizada nos próximos meses
será realizada nos próximos meses
O Tribunal de Justiça vai realizar a avaliação dos processos que deverão permanecer guardados conforme uma tabela de temporalidade (Resolução nº 878/2011 - COMAG)
já publicada oficialmente. Para o trabalho de preparar, cadastrar e
classificar os processos que poderão ser descartados e os que deverão
continuar guardados, a Justiça gaúcha contratou os serviços da CORAG
Companhia Rio Grandense de Artes Gráficas. Os trabalhos da empresa
iniciarão nesta terça-feira (1º/11) .
Atualmente,
a Justiça guarda 13 milhões de processos judiciais já findos 11
milhões já estão sob a responsabilidade do Arquivo Judicial. Há ainda
dois milhões que estão sendo enviados com origem nos Foros Judiciais na
Capital e Interior do Estado. E todo o mês há milhares de novos
processos destinados ao arquivamento
O
contrato prevê que a empresa trabalhará 10 milhões de processos . A
CORAG terá doze meses para concluir o trabalho, prorrogável por mais
três. Está previsto que 288 pessoas, divididas em dois turnos de
trabalho, das 7 às 13 e das 13 às 19 horas, coordenados por Bacharéis e
estudantes de Direito, classificarão os processos que poderão ser
descartados. Editais avisando os eventuais interessados do descarte
serão publicados. Além disso, o Tribunal está articulando junto a
sociedade civil, a participação de entidades interessadas em analisar
preferencialmente os processos apontados para a eliminação.
O contrato tem o valor de R$ 4,3 milhões. Atualmente, o Arquivo Judicial está distribuído em cinco prédios em
Porto Alegre. Três prédios são alugados de terceiros e custam ao
Judiciário anualmente cerca de R$ 940 mil, contabilizados neste número
os aluguéis, energia, IPTU e vigilância. Outros dois pertencem ao
próprio Estado do Rio Grande do Sul.
Um
dos objetivos do projeto é diminuir o custo de manutenção de imensas
áreas de prateleiras, espaços que poderiam ter outras finalidades ou
serem devolvidos aos seus proprietários. Outra grande prioridade, realça
o Juiz-Assessor da 3ª Vice-Presidência do TJ, Jerson Moacir Gubert, é
separar do bolo de processos, os de interesse histórico.
De qualquer forma, realça o magistrado,
todos os processos que sobraram do grande incêndio que consumiu o
Palácio da Justiça em 1949 serão preservados e são cerca de 250 mil.
O critério seguinte, é separar por critério estatístico um determinado
número de acordo com critérios pré-estabelecidos. A seguir, será
aplicada a tabela de temporalidade. E, além disso, lembra o Juiz Gubert, os
magistrados envolvidos no processo também podem assinalar que a guarda
permanente ou por determinado tempo é de interesse público.
Entendemos
que após estas etapas, todos os processos destinados à eliminação ainda
poderão ser examinadas por historiadores ou integrantes de entidades
como os de defesa dos direitos humanos, por exemplo, para verificarem se
há interesse, disse. Nosso interesse é que seja um procedimento com o máximo acompanhamento da sociedade,
reafirmou o magistrado. E registrou que o TJ está realizando encontros
com historiadores e entidades interessadas para que seja construída uma
participação efetiva da sociedade.
O
Juiz Gubert ressalta ainda que o trabalho a ser realizado pela CORAG
juntamente com servidores do Tribunal e até com a participação da
sociedade, redundará em melhores condições de pesquisa para os processos
que permanecerem em guarda temporária ou permanente, viabilizando-se o
resgate da nossa história o que nas condições de hoje não é possível pois estão apenas depositados, sem condições de buscas por assuntos ou localização.
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A versão de alguns historiadores que não gostaram da ideia:
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No dia 27.10.2011 foi divulgado oestabelecimento de convênio
entre o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ea empresa CORAG
(gráfica do Estado do RS) para dar início a um processo deeliminação de
documentos históricos do seu respectivo Acervo:
http://www.corag.com.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=299%3Acorag-e-tribunal-de-justi%C3%A7a-firmam-contrato-in%C3%A9dito-no-pa%C3%ADs&Itemid=135&lang=pt
http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/?idNoticia=158533
Serão analisados cerca de 10 milhões de processos e segundo o Tribunal um dos objetivos é "diminuir o custo de manutenção de imensas áreas de prateleiras e espaços que poderiam ter outras finalidades". É informado ainda que "o Tribunal está articulando junto à sociedade civil a participação de entidades interessadas em analisar preferencialmente os processos apontados para a eliminação" e "encontros com historiadores e entidades interessadas para que sejaconstruída uma participação efetiva da sociedade".
Porém informações relativas a este processo parecem não estar sendo devidamente publicizadas. Frente aosinúmeros casos de perda de documentação histórica no nosso país manifestamos forte preocupação com os destinos do acervo documental ainda a ser exploradopelos pesquisadores e sociedade em geral.
Segundo Parágrafo Único daResolução n.º 777/2009-COMAG que dispõe sobre a guarda, eliminação de autos e tabela de temporalidade dos processos judiciais referente ao Judiciário do RioGrande do Sul, "Todos os processos que contenham documentos históricos ouque por sua natureza e conteúdo fático interessem de qualquer forma à história e ao perfil psicossocial da época ou pela importância dos sujeitos parciais envolvidos passarão a integrar o Acervo Histórico do Judiciário".
Porém outra resolução publicada em 2011 (Resolução n.º 878/2011-COMAG) só garante a guarda total de documentosproduzidos até 1950. De acordo com tal resolução disponível no sítio do TJRS,apresenta-se uma tabela de temporalidade – feita de acordo com critérios questionáveis sem incluir os historiadores – que condena à eliminação testamentos, inventários, mandatos de segurança, diversos documentos administrativos e fundiários, documentação referente a direito de família e previdenciário, atos infracionais. Conforme o divulgado, atuarão nesse processode seleção do que será eliminado, estagiários em Direito e de Ensino Médioorientados pelos parâmetros da resolução.
Todos nós sabemos o quanto a documentação desta natureza foi importante para a renovação da historiografia brasileira. O que parece estar se desenhando é uma perda inenarrável para a história de nosso estado e nosso país, obstaculizando em muito a escrita da história social do Rio Grande do Sul da segunda metade do século XX.
http://www.corag.com.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=299%3Acorag-e-tribunal-de-justi%C3%A7a-firmam-contrato-in%C3%A9dito-no-pa%C3%ADs&Itemid=135&lang=pt
http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/?idNoticia=158533
Serão analisados cerca de 10 milhões de processos e segundo o Tribunal um dos objetivos é "diminuir o custo de manutenção de imensas áreas de prateleiras e espaços que poderiam ter outras finalidades". É informado ainda que "o Tribunal está articulando junto à sociedade civil a participação de entidades interessadas em analisar preferencialmente os processos apontados para a eliminação" e "encontros com historiadores e entidades interessadas para que sejaconstruída uma participação efetiva da sociedade".
Porém informações relativas a este processo parecem não estar sendo devidamente publicizadas. Frente aosinúmeros casos de perda de documentação histórica no nosso país manifestamos forte preocupação com os destinos do acervo documental ainda a ser exploradopelos pesquisadores e sociedade em geral.
Segundo Parágrafo Único daResolução n.º 777/2009-COMAG que dispõe sobre a guarda, eliminação de autos e tabela de temporalidade dos processos judiciais referente ao Judiciário do RioGrande do Sul, "Todos os processos que contenham documentos históricos ouque por sua natureza e conteúdo fático interessem de qualquer forma à história e ao perfil psicossocial da época ou pela importância dos sujeitos parciais envolvidos passarão a integrar o Acervo Histórico do Judiciário".
Porém outra resolução publicada em 2011 (Resolução n.º 878/2011-COMAG) só garante a guarda total de documentosproduzidos até 1950. De acordo com tal resolução disponível no sítio do TJRS,apresenta-se uma tabela de temporalidade – feita de acordo com critérios questionáveis sem incluir os historiadores – que condena à eliminação testamentos, inventários, mandatos de segurança, diversos documentos administrativos e fundiários, documentação referente a direito de família e previdenciário, atos infracionais. Conforme o divulgado, atuarão nesse processode seleção do que será eliminado, estagiários em Direito e de Ensino Médioorientados pelos parâmetros da resolução.
Todos nós sabemos o quanto a documentação desta natureza foi importante para a renovação da historiografia brasileira. O que parece estar se desenhando é uma perda inenarrável para a história de nosso estado e nosso país, obstaculizando em muito a escrita da história social do Rio Grande do Sul da segunda metade do século XX.
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Agora, a opinião de um historiador que acha a iniciativa do TJ necessária:
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SOBRE O ACERVO DO TJRS E A DESINFORMAÇÃO
PORTO ALEGRE (informem-se!) | Desde ontem à noite, recebi vários emails e recados contendo a seguinte petição pública:
Abaixo-assinado PELA PRESERVAÇÃO DO ACERVO DO TJ-RSPara: Tribunal de Justiça do RS; CORAG; Ministério Público do RSNós, estudantes de História, historiadores, pesquisadores e demais cidadãos interessados, abaixo assinados, frente à última resolução do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS (Resolução 878/2011-COMAG) que eliminará parte do acervo documental sob sua guarda datado a partir dos anos 1950, vimos através dessa petição solicitar ao TJRS:
1. A imediata revisão das medidas – incluindo o contrato recentemente firmado com a CORAG em 27.10.2011 – que promoverão, através da análise de 10 milhões de processos, a seleção para descarte de boa parte desse acervo especificado na resolução 878/2011;
2. Permitir que os historiadores, através de sua associação e instituições de ensino superior, sejam incorporados na discussão sobre o destino dos processos do TJRS, de maneira a debater formas de preservar as informações dos documentos a serem descartados;
3. Que o TJRS comprometa-se a não tomar nenhuma medida de eliminação dos processos citados na referida resolução até que uma solução em comum acordo seja estabelecida, levando-se em conta o caráter público dessa documentação e seu valor histórico.Os signatários
O texto não é claro e, por isso, merece
algumas explicações: há cerca de três meses, o poder judiciário gaúcho
decidiu que a situação de seus arquivos chegara ao limite. Com 11
milhões de processos espalhados por cinco locais diferentes de Porto
Alegre (quatro deles locados especialmente como depósitos de papéis), o
TJRS entendeu que é inviável seguir armazenando documentos sem a
implantação de uma eficaz política de gestão, catalogação e
desclassificação documental – palavras que, no jargão arquivístico, são a
base da “oxigenação” de qualquer acervo.
Decidiu-se, então, pelo descarte dos papéis. Ou seja: a destruição.
Contudo, numa atitude mais do que digna
de aplausos, o mesmo poder judiciário compreendeu que, certamente,
muitos de seus 11 milhões de processos contém registros históricos de
valor inestimável – e sobre diversos temas. Como resultado, os juristas
decidiram convidar historiadores, arquivistas, sociólogos e outros
membros da sociedade civil para formar uma comissão responsável por
definir, num trabalho conjunto, o que fazer com cada um dos documentos
arquivados.
Sabendo desta história, não pude deixar de me surpreender com o abaixo-assinado lançado ontem.
Primeiro, porque, além de incompleto e
mal escrito, trata-se de um texto que não condiz com a verdade. Seu
autor(es) carece(m) de informação. Mais: quem quer que tenha sido o
criador da petição, trata-se de alguém cuja noção de responsabilidade
diante desta discussão não está bem clara.
Por conseguinte, lamento informar que os demais “abaixo-assinados” estão repetindo a mesma desinformação e irresponsabilidade.
Dito isto, vamos aos pontos da petição:
1) O abaixo-assinado pede que “medidas”
que promoverão “a seleção para descarte” sejam revistas. Só que a minuta
que institui a Comissão Interdisciplinar para Avaliação de Processos
Judiciais Aptos a Descarte, documento lançado hoje (fruto de várias
semanas de discussões, inclusive com a participação de vários
historiadores), prevê que esta mesma comissão será responsável por
“indicar critérios para a definição de processos judiciais aptos a
descarte”. Ou seja: não existem medidas a serem revistas, porque
simplesmente elas ainda nem foram discutidas – trabalho que será feito
pelos membros da própria Comissão. O papel da CORAG, uma das
destinatárias do abaixo-assinado, será apenas o de higienizar, catalogar
e repassar a integridade dos processos para a equipe de análise –
chefiada pela Comissão e possivelmente composta por profissionais das
áreas de Arquivologia e História. A mesma CORAG deverá criar um banco de
dados onde constarão as informações fundamentais dos processos revistos
(tanto os que serão descartados, quanto os futuros arquivados). Além
disso, processos referentes a crimes sequer serão analisados, posto que
já há uma definição anterior proibindo seu descarte;
2) O segundo ponto do abaixo-assinado
clama pela participação de historiadores na Comissão que discutirá o
descarte da documentação. Só que a mesma minuta que estabelece a criação
deste grupo – repito: lançada hoje – prevê também que, dos nove membros
da Comissão, quatro serão historiadores (um representante do Tribunal
do Judiciário, dois professores universitários e o presidente da
Associação Nacional de História). Aliás, nenhum outro segmento
profissional estará tão presente na Comissão. Portanto, o segundo pedido
da petição também é fruto de desinformação e seu argumento não se
sustenta;
3) O último ponto clama que o TJRS não
tome “nenhuma medida de eliminação dos processos (…) até que uma solução
em comum acordo seja estabelecida”. Creio que não é preciso repetir que
a Comissão Interdisciplinar para Avaliação de Processos Judiciais Aptos
a Descarte serve justamente para esta função.
Agora, algumas breves reflexões:
Muito me espanta ver um abaixo-assinado
sendo firmado por algumas dezenas de pessoas sem que estes mesmos
indivíduos conheçam os parâmetros mínimos dos que é debatido. Mais
ainda, quando são historiadores. Hoje pela manhã, analisando o “frisson”
causado pela petição, não pude deixar de lamentar que pessoas
minimamente instruídas ainda caiam na mesma rede de malha grossa que
“pesca” aqueles que não têm e não buscam informação.
Historiadores caindo no oba-oba do senso comum é o fim da picada. E o pior: acontece cada vez mais.
Uma rodada rápida pelo Google mostra os
desdobramentos de cada reunião promovida pelo TJRS na preocupação de
manter, preservar e tornar pública sua gigantesca documentação. A lei
prevê – e, a propósito, acho muito válido que ela seja discutida – que o
poder judiciário pode eliminar seus documentos sem consulta a quaisquer
instâncias, desde que passados os prazos legais. Portanto, a atitude
dos juristas, neste caso, é mais do que elogiável. Afinl, em condições
“normais”, nós sequer saberíamos da existência destes 11 milhões de
processos e de suas prováveis potencialidades de pesquisa.
Por último, uma observação rápida de um
historiador que há sete anos transita pelo mundo da arquivologia:
descartar documentos é tarefa fundamental. Sempre haverá alguém dizendo
que “tudo é História” e que “todos os documentos têm seu valor”. Quem
pensa assim não está de todo errado, como também estão certos os
arquivistas que, a partir de trabalhos integrados com pesquisa
histórica, podem proceder com a eliminação daquelas fontes que só em
casos muito específicos seriam pesquisadas pela historiografia. Um
exemplo simples elucida a questão: dos 11 milhões de processos
arquivados pelo TJRS, mais de 50 mil referem-se a ações judiciais contra
o trio CRT/Brasil Telecom/Oi, documentos repetitivos que obedecem a uma
mesma característica e que, muito pouco provavelmente, serão
pesquisados por historiadores algum dia. O descarte destes e de outras
centenas de processos semelhantes (mantendo exemplares de amostragem,
como requer a praxe arquivística) é vital para a própria sobrevivência
do acervo. Como ratifica bem o documento que institui a Comissão de
Avaliação do TJRS, este processo será feito por gente qualificada o
suficiente para definir tais ações.
E não como uma queima geral da
documentação, como faz crer o desinformado abaixo-assinado que meus
colegas historiadores – mais mal informados ainda! – estão divulgando.
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Finalmente, a manifestação da Associação Nacional de História:
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Porto Alegre, 11 de novembro de 2011.
Exmo. Sr. Desembargador Leo Lima
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Exmo. Sr. Desembargador Leo Lima
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
A Associação Nacional de História (ANPUH), sua seção Rio Grande do Sul (ANPUH-RS) e os representantes dos Cursos Superiores de História do estado consideram altamente meritória a iniciativa do Poder Judiciário, que buscou consultar os profissionais da área da História para discutir esse importante processo de organização e preservação da massa documental acumulada, e que consideramos de imenso e insubstituível valor para o conhecimento de nossa sociedade, através dos registros armazenados no Arquivo Judicial desse Tribunal. Compreendemos, também, a necessidade de uma administração adequada desses conjuntos documentais, na medida em que seu volume excessivo consome recursos que sempre são reduzidos, face aos investimentos que se precisa fazer para responder à demanda da sociedade, que vê na Justiça o espaço correto para a resolução de conflitos.
No entanto, entendemos que a forma com que se está desenvolvendo essa proposta não é adequada, pois impede uma consideração apropriada do significado social desses documentos. Eles são importantes para que se possa interpretar os processos históricos vivenciados no nosso Estado, o que se dá através do contato com tais informações ali coligidas. Além disso, é fundamental destacar que o Judiciário não é o proprietário dessa documentação, sendo somente seu guardião, pois estes documentos, na verdade, pertencem a todo a sociedade. Assim, querer dispor desses processos através de medidas extremas atenta contra essa perspectiva, podendo causar prejuízos irreparáveis a todos os que se interessam pela História e pela cidadania.
Entendemos também que não podemos ser convocados a realizar uma atividade limitada, desenvolvida somente no final dos procedimentos administrativos, numa proposta que pretende exigir do profissional da História a escolha e preservação dos documentos ditos “interessantes”, pois isso, além de contrariar tudo o que se tem preconizado na historiografia das últimas décadas, ainda atenta contra o bom senso, na medida em que impede quaisquer critérios objetivos para sua execução, pois o que pode ser um critério “interessante” para um profissional, pode não ser para outro, e vice-versa. Por fim, também não guarda nenhuma lógica com procedimentos operacionais adequados, já que significa nova revisão do conjunto documental, que foi anteriormente avaliado para se identificar outros requisitos.
Tendo em vista o exposto até o momento, os historiadores aqui representados optam por não participar da comissão interdisciplinar proposta sem as garantias de atendimento as nossas reivindicações e de que essas poderão influenciar concretamente no processo de avaliação, preservação e descarte dos documentos custodiados pelo Tribunal.
Outrossim, nos propomos a participar, neste momento, da avaliação da tabela de temporalidade sugerida pelo CNJ, juntamente com arquivistas e outros profissionais específicos, adquirindo subsídios sobre as tipologias documentais geradas pelo Poder Judiciário em seu funcionamento, para, com uma noção mais clara do acervo custodiado pelo TJ/RS, podermos propor efetivas regras de arranjo, descarte ou guarda permanente.
Aproveitamos para sugerir ao Tribunal que, o mais breve possível, promova concurso público para a contratação de profissionais da área de História, capazes de participar da gestão documental da instituição, bem como a disponibilização adequada dos documentos aos pesquisadores e à sociedade em geral.
Como contribuição, apresentamos as seguintes proposições a serem desenvolvidas pela Equipe Técnica do Tribunal de Justiça, a fim de obter nosso apoio a essa atividade:
- Efetuar ampla reorganização da documentação, visando sua correta identificação e classificação, ANTES de se proceder a qualquer descarte;
- Propor a revisão, por parte de profissionais da área da História, da Tabela de Temporalidade sugerida pelo CNJ, na medida em que essa é apenas uma recomendação, que pode ou não ser aceita pelos demais Tribunais. Cabe lembrar que um instrumento desse porte, elaborado em nível nacional, é incapaz de atender aos diversos fenômenos regionais, os quais encontram-se registrados na documentação produzida pelo Poder Judiciário gaúcho;
- Consultar, por meio de manifestação oficial, a Comissão Setorial do Sistema de Arquivos do Estado do Rio Grande do Sul (SIARQ/RS), que tem como determinação legal o dever de se pronunciar a respeito dos procedimentos arquivísticos a serem adotados em todo o Estado do Rio Grande do Sul;
- Apresentar, por meio de Projeto adequado, o Programa de Trabalho de Organização de Acervos Arquivísticos do Poder Judiciário, prevendo as atividades, os procedimentos e, principalmente, os recursos a serem destinados a esse Programa, de modo a permitir um planejamento adequado para a destinação definitiva dessa documentação. As proposições acima tem como objetivo permitir ao Judiciário uma agenda positiva de tratamento dessa documentação, considerando-se que há perspectivas de redução significativa dos recursos dispendidos pelo Poder Judiciário, em função de se estar adotando o Processo Eletrônico. Essa redução de custos, inclusive, poderia ser reinvestida nessa atividade, produzindo um resultado efetivo e qualificado para a questão, fomentando procedimentos que ofereçam à nossa sociedade um ganho em termos de pesquisa e produção de conhecimento.
Colocamo-nos à disposição para continuarmos debatendo esse tema, de modo a encontrar uma solução equilibrada, justa e adequada para todos, que permita ao Judiciário resolver suas dificuldades nesse campo de ação, mas que impeça prejuízos danosos à memória da sociedade gaúcha, o que com toda a certeza não deve ser o objetivo de Vossa Excelência. Temos a clareza de que tais esforços serão recompensados no futuro, no momento em que nossas ações no presente se tornarem também objeto de consideração por parte de nossos descendentes, sejam eles historiadores, operadores do direito ou cidadãos em geral.
Atenciosamente,
Benito Schmidt Presidente da ANPUH (Gestão 2011-13)
Zita Possamai Presidenta da ANPUH-RS (Gestão 2010-12)
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Resumindo toda a situação, para quem pulou para o final só para ler as conclusões: o TJ quer descartar processos para liberar espaço e diminuir gastos. Não seria uma queima geral: existem alguns critérios a seguir, e em tese seriam preservados os documentos de "valor histórico".
O pequeno grande problema é que, ao elaborar os critérios de seleção, ninguém se deu ao trabalho de perguntar antecipadamente aos historiadores o que nós consideramos valor histórico...
Minha pesquisa atual lida com processos (que só não foram destruídos por terem sido recolhidos a um arquivo universitário), o que me deixa incomodado com a perda de dados que virá. De um pequeno conjunto de autos de crimes sexuais não violentos (sedução e coisas parecidas), estou extraindo informações sobre padrões de moralidade, atitudes diante da sexualidade e do casamento e a tendência de certos grupos sociais de recorrer mais à Justiça do que outros em determinadas situações. Não estou reinventando a roda, mas seguindo linhas de pesquisa que, no Brasil, tem menos de 30 anos. Ou seja, se fizessem esse descarte no início dos anos 80, quando ainda não se pensava em olhar os processos criminais em busca de informações sobre a história da sociedade, essa pesquisa poderia ser impossível de realizar. E quem sabe o que vai fazer falta daqui a 30 anos?
Da minha parte, as sugestões da ANPUH parecem acertadas: primeiro, organizar e classificar o acervo e rever, com consulta a historiadores, os critérios de descarte. Depois, pensar em descartar.
Como isso significaria mais gastos para o TJ, acho pouco provável que aconteça.
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