fevereiro 24, 2011

16. Ibn al-Haytham, o pai da ótica

O matemático e filósofo Alfred Whitehead escreveu certa vez que a filosofia europeia consistia em uma série de notas de rodapé a Platão, e a frase espalhou-se com o sucesso que tantas vezes têm as generalizações.

(Para ser justo com Whitehead, ele sabia que estava fazendo uma generalização. Sua frase original é: The safest general characterization of the European philosophical tradition is that it consists of a series of footnotes to Plato.)

No mesmo nível apressado das generalizações, seria igualmente possível dizer que a ciência europeia consiste em notas de rodapé a Aristóteles. Afinal, foi esse filósofo grego do século 4 a.c. que, além de suas incursões por aquilo que hoje continuamos chamando de filosofia (metafísica, epistemologia, ética, etc.), foi um pioneiro em muitos campos do conhecimento que, mais tarde, viriam a ganhar autonomia como ciências, como a biologia, a mecânica e a ótica. Sem falar de discussões sobre literatura, política e quase tudo o que um grego do século 4 a.c. poderia discutir, apesar de não termos mais grande parte do que ele escreveu, como sabem todos os fãs de O nome da rosa.

Sem querer desmerecer Aristóteles, que foi um gigante intelectual (e, para mim, preferível a Platão, mas cada um com o seu gosto), muitas dessas "notas de rodapé" consistiriam no seguinte: "sobre esse ponto, Aristóteles estava completamente errado". Pasteur provou que a teoria aristotélica da geração espontânea da vida estava errada, Galileu fez o mesmo com o geocentrismo, e por aí vai.

Provavelmente a maior parte das pessoas reconhece os nomes de Galileu e Pasteur, apesar de talvez não saber que seu legado foi corrigir noções que remontavam a Aristóteles, quando não eram ainda mais antigas e haviam sido apenas mencionadas por ele. Suspeito que muito menos pessoas reconheceriam o nome de outro cientista tão importante quanto eles: Al-Hasan ibn al-Haytham (965-1040), pensador muçulmano originário da cidade de Basra, no atual Iraque, e nada menos que o pai da ótica moderna.

Em aproximadamente 1011, na cidade do Cairo, ibn al-Haytham começou a escrever sua principal obra, o Livro da ótica, em que demonstrou, através de experimentos, como funcionava a visão: o olho não emite "raios de visibilidade" nem absorve partículas emitidas pelos objetos visíveis, como Aristóteles e seus sucessores até então pensavam, mas recebe raios de luz. Com base nessa descoberta fundamental, passou a experimentar com a luz, fazendo descobertas sobre lentes, espelhos, reflexão e refração da luz, o funcionamento do olho humano e tudo o mais que atormenta a existência dos estudantes de ensino médio e possibilita desde avanços na astronomia até os óculos e a oftalmologia moderna.

Esse breve comentário sobre um gênio muçulmano foi em parte uma pequena homenagem aos eventos recentes no Egito, Tunísia e outros países islâmicos, e em parte uma pegadinha. O leitor atento terá percebido que comecei falando em ciência europeia para passar para um cientista do Oriente Médio. Isso porque, como no caso da filosofia, nunca houve uma "ciência europeia" fechada a influências externas - no caso da filosofia, considerem por um momento a importância do cristianismo, uma religião também vinda do Oriente Médio, sobre quase todos os pensadores europeus dos últimos dois milênios. No caso da ciência, ibn al-Haytham foi um dos muitos sábios islâmicos que estava em contato com a tradição cultural da antiga Grécia, e cujas descobertas foram depois reabsorvidas pelos europeus: o livro de "Alhazen", como latinizaram seu nome, foi traduzido para o latim e incorporou-se ao corpo de conhecimentos científicos ocidentais.

Ironicamente, a tradução foi feita no século 12, que combinou grande avanço científico com as principais Cruzadas. Mas alguém ainda acredita que conhecimento e insensatez sejam incompatíveis?